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20/04/2012

ESQUECIMENTO DE VIDAS PASSADAS

vidas
Indicamos neste capítulo as causas físicas do esquecimento das vidas anteriores. Inquirir se esse esquecimento não se justifica por uma necessidade de ordem moral? Para a maior parte dos homens, frágeis “canas pensantes” que o vento das paixões agita, não se nos afigura desejável a recordação do passado; pelo contrário, parece indispensável ao seu adiantamento que as vidas anteriores se lhes apaguem momentaneamente da memória.

A persistência das recordações acarretaria a persistência das idéias errôneas, dos preconceitos de casta, tempo e meio, numa palavra, de toda uma herança mental, um conjunto de vistas e coisas que nos custaria tanto mais a modificar, a transformar, quanto mais vivo estivesse em nós. Deparar-se-iam assim muitos obstáculos à nossa educação, aos nossos progressos; nossa capacidade de julgar achar-se-ia muitas vezes adulterada desde o berço. O esquecimento, ao contrário, permitindo-nos aproveitar mais amplamente os estados diferentes que uma nova vida nos proporciona, ajuda-nos a reconstruir nossa personalidade num plano melhor; nossas faculdades e nossa experiência aumentam em extensão e profundidade.

Outra consideração, mais grave ainda: o conhecimento de um passado corrupto, conspurcado, como deve suceder com o de muitos de nós, seria um fardo pesado. Só uma vontade de rija têmpera pode ver, sem vertigem, desenrolar-se uma longa série de faltas, de desfalecimentos, de atos vergonhosos, de crimes talvez, para pesar-lhes as conseqüências e resignar-se a passar por elas. A maior parte dos homens atuais é incapaz de tal esforço. A recordação das vidas anteriores só pode ser proveitosa ao Espírito bastante evolvido, bastante senhor de si para suportar-lhe o peso sem fraquejar, com suficiente desapego das coisas humanas para contemplar com serenidade o espetáculo de sua história, reviver as dores que padeceu, as injustiças que sofreu, as traições dos que amou. É privilégio doloroso conhecer o passado dissipado, passado de sangue e lágrimas, e é também causa de torturas morais, de íntimas lacerações.
                                                                                                    As visões que se lhe vinculam, seriam, na maioria dos casos, fonte de cruéis inquietações para a alma fraca presa nas garras do seu destino. Se as nossas vidas precedentes foram felizes, a comparação entre as alegrias que nos davam e as amarguras do presente, tornaria estas últimas insuportáveis. Foram culpadas? A expectativa perpétua dos males que elas implicam paralisaria a nossa ação, tornaria estéril nossa existência. A persistência dos remorsos e a morosidade da nossa evolução far-nos-iam acreditar que a perfeição é irrealizável!
                                                                                          Quantas coisas, que são outros tantos obstáculos à nossa paz interna, outros tantos estorvos para nossa liberdade, não quiséramos apagar da nossa vida atual? Que seria, pois, se a perspectiva dos séculos percorridos se desenrolasse sem cessar, com todos os pormenores, diante da nossa vista? O que importa é trazer consigo os frutos úteis do passado, isto é, as capacidades
adquiridas; é esse o instrumento de trabalho, o meio de ação do Espírito. O que constitui o caráter é também o conjunto das qualidades e dos defeitos, dos gostos e das aspirações, tudo o que transborda da consciência profunda para a consciência normal.
                                                                                                    O conhecimento integral das vidas passadas apresentaria inconvenientes formidáveis, não só para o individuo, mas também para a coletividade; introduziria na vida social elementos de discórdia, fermentos de ódio que agravariam a situação da humanidade e obstariam a todo progresso moral. Todos os criminosos da História, reencarnados para expiar, seriam desmascarados; as vergonhas, as traições, as perfídias, as iniqüidades de todos os séculos seriam de novo assoalhadas à nossa vista. O passado acusador, conhecido de todos, tornaria a ser causa de profunda divisão e de vivos sofrimentos.
                                                                                                     O homem, que vem a este mundo para agir, desenvolver as suas faculdades, conquistar novos méritos, deve olhar para frente e não para trás. Diante dele abre-se, cheio de esperanças e promessas, o futuro; a Lei Suprema ordena-lhe que avance resolutamente e, para tornar-lhe a marcha mais fácil, para livrá-lo de todas as prisões, de todo peso, estende um véu sobre o seu passado. Agradeçamos à Providência Infinita que, aliviando-nos da carga esmagadora das recordações, nos tornou mais cômoda a ascensão, a reparação menos amarga.
                                                                                                    Objetam-nos, às vezes, que seria injusto ser castigado por faltas que foram esquecidas, como se o esquecimento apagasse a falta! Dizem-nos, por exemplo: “Uma justiça, que é tramada em segredo e que não podemos pessoalmente avaliar, deve ser considerada como uma iniqüidade.”
Mas, em princípio, não há para nós em tudo um mistério? O talozinho de erva que rebenta, o vento que sopra, a vida que se agita, o astro que percorre a abóbada silenciosa, tudo são mistérios. Se só devemos acreditar no que compreendemos bem, em que é que havemos então de acreditar?

Se um criminoso, condenado pelas leis humanas, cai doente e perde a memória das suas ações (vimos que os casos de amnésia não são raros), segue-se daí que a sua responsabilidade desaparece ao mesmo tempo em que as suas lembranças? Nenhum poder é capaz de fazer com que o passado não tenha existido!
                                                                                                   Em muitos casos seria mais atroz saber do que ignorar. Quando o Espírito, cujas vidas distantes foram culpadas, deixa a Terra e as más lembranças se avivam outra vez para ele, quando vê levantarem-se sombras vingadoras, acaso o lamenta o tempo do esquecimento? Acusa a Deus por ter-lhe tirado com a memória das suas faltas a perspectiva das provas que elas implicam?
Basta-nos, pois, conhecer qual é o fim da vida, saber que a justiça
divina governa o mundo. Cada um está no local que para si fez e não sucede nada que não seja merecido. Não temos por guia nossa consciência e não brilham com vivo clarão, na noite de nossa inteligência, os ensinamentos dos gênios celestes?
O espírito humano, porém, flutua agitado por todos os ventos da dúvida e da contradição. Às vezes acha que tudo vai bem e pede novas energias vitais; outras amaldiçoam a existência e clama o aniquilamento. Pode a Justiça Eterna conformar os seus planos com as nossas vistas efêmeras e variáveis? Na própria pergunta está a resposta. A justiça é eterna porque é imutável. No caso que nos ocupa, é a harmonia perfeita que se estabelece entre a liberdade dos nossos atos e a fatalidade das suas conseqüências.

O esquecimento temporário das nossas faltas não evita o seu efeito. É necessária a ignorância do passado para que toda a atividade do homem se consagre ao presente e ao futuro, para que se submeta à lei do esforço e se conforme com as condições do meio em que renasce.

Livro: O Problema do Ser, do Destino e da Dor/ Léon Denis.

2 comentários:

  1. Olá, Márcia!

    Excelente artigo!

    Um grande abraço
    Socorro Melo

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  2. O esquecimento é uma benção par nos ajudar a evoluir...
    Bom fim de semana.
    Beijos.

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