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19/11/2010

ANDAI, ENQUANTO TENDES LUZ

 

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“Disse-lhes então Jesus: Ainda por um pouco de tempo a luz está entre vós.
Andai enquanto tendes a luz, para que as trevas não vos apanhem; pois quem anda nas trevas não sabe para onde vai.” (João, 12:35.)

A passagem em epígrafe refere-se a um diálogo de Jesus com estrangeiros que foram à Palestina, especialmente, para conhecê-lo. A narrativa de João envolve aspectos interessantes dessa conversa, mas aqui queremos nos ater à advertência final acima transcrita, que Jesus dirige, não só a eles, mas a todos os que o ouviam e, se considerarmos os aspectos mais profundos do ensinamento, a todos nós. Muitas indagações emergem em nossa mente diante dessa passagem: Para onde deveriam dirigir-se os que acolhessem a indicaçãode andar? e, nesse caso, o imperativo está atrelado à luz como condição favorável que se apresentava aos estrangeiros, naquele momento histórico, que deduzimos ser a própria presença do Mestre. Naturalmente, Jesus sabia do que lhe ocorreria na sequência daqueles dias e percebia que não ficaria por longo tempo entre seus discípulos.

Precisamos entender, contudo, que todo ensinamento evangélico tem propósitos mais amplos e transcendentais. Considerando a referência ao Reino como orientação expressa em linguagem metafórica,

compreenderemos que o Reino deDeus não é um lugar e o verbo andar não significa o ato de deslocar-se espacialmente na Terra. Jesus mesmo esclareceu que ninguém pode dizer que o Reino esteja aqui

ou ali, porquanto ele estaria dentro de nós mesmos, sendo, portanto, uma condição a ser criada pelo indivíduo num processo subjetivo de realização. Tudo o que aconteceu depois pode, sem qualquer dúvida, ser identificado com a condição adversa de obscuridade que dificultou a vida das criaturas humanas identificadas com os ideais cristãos: as perseguições sofridas, os sacrifícios no circo romano, as lutas para a consolidação do movimento de divulgação da Boa Nova, a oficialização do Cristianismo como religião do Estado, que determinaria a descaracterização da doutrina ensinada pelo Cristo, o longo período da Idade Média, que somente cessou com o advento do Renascimento já no século XV.

Hoje, ainda, o homem se confronta com grandes obstáculos, para realizar o que Jesus propôs. Notáveis avanços marcam a história da Humanidade, mas, no que tange à cultura ocidental, parece-nos que a condição favorável para o caminhar do homem no sentido de realizar o que lhe cabe – espiritualizar-se – voltou aos cenários do mundo com o advento do Espiritismo, cujas proposições oferecem a chave que nos permite entender os ensinamentos do Evangelho. Coloquemo-nos, pois, como os atuais destinatários da fala do Mestre. Precisamos tomar consciência de que vivemos um momento favorável ao trabalho interior, para fazer aflorar as virtudes que ainda estão em estado potencial dentro de nós.

O caminho para isso está disponível, caso nos decidamos aos estudos sérios a que somos convocados pelo Espiritismo.Nada se pode conquistar, sem esforço e luta. Nosso empenho será maior, quando  compreendermos que o tempo é um recurso valioso que, embora se renove em outras oportunidades, é, de certa forma, limitado.Nossa permanência na situação favorável depende do aproveitamento da chance que está sendo dada. Na sequência dos acontecimentos, o quadro pode se alterar e maiores se tornarão os obstáculos a serem superados. Busquemos, pois, assimilar o ensinamento principal de Jesus –“Amai a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a vós mesmos”.


Esforcemo-nos para nos tornarmos discípulos do Mestre e estaremos criando condições para superar as amarras materiais e alcançar o conhecimento da verdade que liberta totalmente a criatura da ignorância e do erro.O momento é favorável, o Consolador está entre nós. Sigamos em paz!

SALMO 23

”Cria em mim, ó Deus,  um coracao puro e renova dentro de mim um espírito inabalável.”( salmo, 51:10)

Mario Frigeri

O Senhor é meu Pastor

E nada me falatará;

Em campinas verdejantes Faz minha alma repousar.

E por veredas de pazE alvoradas  de luz

Eu sigo cada vez mais

Conduzido por Jesus.

Por acaso se um dia eu andasse

Pelo vale da sombra da morte

Mantereria meu animo forte,

Amparado na luz da oracao.

A esperanca e a misericórdiaSeguiriam à frente comigo,

Porque sei que tu és meu amigo

E que moras no meu coracao.

http://www.febnet.org.br

17/11/2010

O PODER DA VONTADE

vontade


Querer é poder! O poder da vontade é ilimitado. O homem, consciente de si mesmo, de seus recursos latentes, sente crescerem suas forças na razão dos esforços. Sabe que tudo o que de bem e bom desejar há de, mais cedo ou mais tarde, realizar-se inevitavelmente, ou na atualidade ou na série das suas existências, quando seu pensamento se puser de acordo com a Lei divina. E é nisso que se verifica a palavra celeste: “A fé transporta montanhas.”
Não é consolador e belo poder dizer: “Sou uma inteligência e uma vontade livres; a mim mesmo me fiz, inconscientemente, através das idades; edifiquei lentamente minha individualidade e liberdade e agora conheço a grandeza e a força que há em mim. Amparar-me-ei nelas; não deixarei que uma simples dúvida as empane por um instante sequer e, fazendo uso delas com o auxílio de Deus e de meus irmãos do espaço, elevar-me-ei acima de todas as dificuldades; vencerei o mal em mim; desapegar-me- ei de tudo o que me acorrenta às coisas grosseiras para levantar o vôo para os mundos felizes!”
Vejo claramente o caminho que se desenrola e que tenho de percorrer. Esse caminho atravessa a extensão ilimitada e não tem fim; mas, para guiar-me na estrada infinita, tenho um guia seguro – a compreensão da lei de vida, progresso e amor que rege todas as coisas; aprendi a conhecer-me, a crer em mim e em Deus. Possuo, pois, a chave de toda elevação e, na vida imensa que tenho diante de mim, conservar-me-ei firme, inabalável na vontade de enobrecer-me e elevar-me, cada vez mais; atrairei, com o auxílio de minha inteligência, que é filha de Deus, todas as riquezas morais e participarei de todas as maravilhas do Cosmo.
Minha vontade chama-me: “Para frente, sempre para frente, cada vez mais conhecimento, mais vida, vida divina!” E com ela conquistarei a plenitude da existência, construirei para mim uma personalidade melhor, mais radiosa e amante. Saí para sempre do estado inferior do ser ignorante, inconsciente de seu valor e poder; afirmo-me na independência e dignidade de minha consciência e estendo a mão a todos os meus irmãos, dizendo- lhes:
Despertai de vosso pesado sono; rasgai o véu material que vos envolve, aprendei a conhecer-vos, a conhecer as potências de vossa alma e a utilizá-las. Todas as vozes da Natureza, todas as vozes do espaço vos bradam: “Levantai-vos e marchai! Apressai- vos para a conquista de vossos destinos!”
A todos vós que vergais ao peso da vida, que, julgando-vos sós e fracos, vos entregais à tristeza, ao desespero, ou que aspirais ao nada, venho dizer: “O nada não existe; a morte é um novo nascimento, um encaminhar para novas tarefas, novos trabalhos, novas colheitas; a vida é uma comunhão universal e eterna que liga Deus a todos os seus filhos.”
A vós todos, que vos credes gastos pelos sofrimentos e decepções, pobres seres aflitos, corações que o vento áspero das provações secou; Espíritos esmagados, dilacerados pela roda de ferro da adversidade, venho dizer-vos:
“Não há alma que não possa renascer, fazendo brotar novas florescências. Basta-vos querer para sentirdes o despertar em vós de forças desconhecidas. Crede em vós, em vosso rejuvenescimento em novas vidas; crede em vossos destinos imortais. Crede em Deus, Sol dos sóis, foco imenso, do qual brilha em vós uma centelha, que se pode converter em chama ardente e generosa!
“Sabei que todo homem pode ser bom e feliz; para vir a sê-lo basta que o queira com energia e constância. A concepção mental do ser, elaborada na obscuridade das existências dolorosas, preparada pela vagarosa evolução das idades, expandir-se-á à luz das vidas superiores e todos conquistarão a magnífica individualidade que lhes está reservada.
“Dirigi incessantemente vosso pensamento para esta verdade: podeis vir a ser o que quiserdes. E sabei querer ser cada vez maiores e melhores. Tal é a noção do progresso eterno e o meio de realizá-lo; tal é o segredo da força mental, da qual emanam todas as forças magnéticas e físicas. Quando tiverdes conquistado esse domínio sobre vós mesmos, não mais tereis que temer os retardamentos nem as quedas, nem as doenças, nem a morte; tereis feito de vosso “eu” inferior e frágil uma alta e poderosa individualidade!”

Autor: Léon Denis

16/11/2010

O MAIOR ABRACO DO MUNDO!

O Cristo Redentor "fechou" os braços, num abraço simbólico ao Rio de Janeiro, na noite de 19 de outubro. Uma ilusão de ótica provocada por projeção de luzes e imagens , faz parte da campanha "Carinho de Verdade", de combate à violência e exploração sexual de crianças. Para simular o abraço, o cineasta Fernando Salis usou oito projetores, que cobriram a estátua com imagens do Rio, ao som de Bachianas Brasileiras n.º 7, de Villa Lobos. Isto foi maravilhoso!

A idéia na verdade, era criar uma imagem do “afeto”, como o afeto pode contagiar, -Fernando Salis.

Esse é o maior abraco do mundo, pensemos em Jesus e vibremos que esse abraco contagie todos os coracoes! 

14/11/2010

O AMOR - “As Potências da Alma”

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...o amor é uma fonte inexaurível, renova-se sem cessar e enriquece ao mesmo tempo aquele que dá e aquele que recebe...

Entendemos o amor como um sentimento
que leva um ser para outro ser...

Mas o amor tem infinitas formas...

Deus é amor...

Nos criou para que nos associemos a esse amor...
O amor se renova sem cessar...

É pelo amor que a alma se desenvolve...
Alarga o círculo das sensações...

Nós caminhamos para o amor...
A afeição que sentimos por um só
se transforma na afeição a todos...

À família...
À Humanidade...

Todo o poder da alma está em:
Querer... saber... amar...

Querer significa desenvolver a vontade
e aprender a dirigi-la...

Saber porque sem o conhecimento das coisas e das leis não caminhamos retamente para os nossos objetivos...

Amar porque sem o amor, a vontade e o conhecimento seriam incompletos e sem sentido...

O amor, como comumente se entende na Terra, é um sentimento, um impulso do ser, que o leva para outro ser com o desejo de unir-se a ele. Mas, na realidade, o amor reveste formas infinitas, desde as mais vulgares até as mais sublimes. Princípio da vida universal, pro­porciona à alma, em suas manifestações mais elevadas e puras, a intensidade de radiação que aquece e vivifica tudo em roda de si ; é por ele que ela se sente estreita­mente ligada ao Poder Divino, foco ardente de toda a vida, de todo o amor.

Acima de tudo, Deus é amor. Por amor, criou os seres para associá-los às suas alegrias, à sua obra. O amor é um sacrifício; Deus hauriu nele a vida para dá-la às almas. Ao mesmo tempo que a efusão vital, elas receberiam o princípio afetivo destinado a germinar e expandir-se pela provação dos séculos, até que tenham aprendido a dar-se por sua vez, isto é, a dedicar-se, a

sacrificar-se pelas outras. Com este sacrifício, em vez de se amesquinharem, mais se engrandecem, enobrecem e aproximam do Foco Supremo.

O amor é uma força inexaurível, renova-se sem ces­sar e enriquece ao mesmo tempo aquele que dá e aquele que recebe pelo amor, sol das almas, que Deus mais eficazmente atua no mundo. Por ele atrai para si todos os pobres seres retardados nos antros da paixão, os Espí­ritos cativos na matéria; eleva-os e arrasta-os na espiral da ascensão infinita para os esplendores da luz e da liberdade.

O amor conjugal, o amor materno, o amor filial ou fraterno, o amor da pátria, da raça, da Humanidade, são refrações, raios refratados do amor divino, que abrange, penetra todos os seres, e, difundindo-se neles, faz rebentar e desabrochar mil formas variadas, mil esplêndidas florescências de amor.

Até às profundidades do abismo de vida, infiltram-se as radiações do amor divino e vão acender nos seres rudimentares, pela afeição à companheira e aos filhos, as primeiras claridades que, nesse meio de egoísmo feroz, serão como a aurora indecisa e a promessa de uma vida mais elevada.

É o apelo do ser ao ser, é o amor que provocará, no fundo das almas embrionárias, os primeiros rebentos do altruísmo, da piedade, da bondade. Mais acima, na escala evolutiva, entreverá o ser humano, nas primeiras felicidades, nas únicas sensações de ventura perfeita que lhe é dado gozar na Terra, sensações mais fortes e suaves que todas as alegrias físicas e conhecidas somente das almas que sabem verdadeiramente amar.

Assim, de grau em grau, sob a influência e irradia­ção do amor, a alma desenvolver-se-á e engrandecerá, verá alargar-se o círculo de suas sensações. Lentamente, o que nela não era senão paixão, desejo carnal, ir-se-á depurando, transformando num sentimento nobre e desin­teressado; a afeição a um só ou a alguns converter-se-á na afeição a todos, à família, à pátria, à Humanidade.

E a alma adquirirá a plenitude de seu desenvolvimento quando for capaz de compreender a vida celeste, que é toda amor, e a participar dela.

O amor é mais forte do que o ódio, mais poderoso do que a morte. Se o Cristo foi o maior dos missionários e dos profetas, se tanto império teve sobre os homens, foi porque trazia em si um reflexo mais poderoso do Amor Divino. Jesus passou pouco tempo na Terra; foram bas­tantes três anos de evangelização para que o seu domínio se estendesse a todas as nações. Não foi pela Ciência nem pela arte oratória que ele seduziu e cativou as mul­tidões; foi pelo amor! Desde sua morte, seu amor ficou no mundo como um foco sempre vivo, sempre ardente. Por isso, apesar dos erros e faltas de seus representantes, apesar de tanto sangue derramado por eles, de tantas fogueiras acesas, de tantos véus estendidos sobre seu ensino, o Cristianismo continuou a ser a maior das reli­giões; disciplinou, moldou a alma humana, amansou a índole feroz dos bárbaros, arrancou raças inteiras à sen­sualidade ou à bestialidade.

O Cristo não é o único exemplar a apresentar. Po­de-se, de um modo geral, verificar que das almas emi­nentes se desprendem radiações, eflúvios regeneradores, que constituem uma como atmosfera de paz, uma espécie de proteção, de providência particular. Todos aqueles que vivem sob esta benéfica influência moral sentem uma calma, um sossego de espírito, uma espécie de serenidade que dá um antegozo das quietações celestes. Esta sensação é mais pronunciada ainda nas sessões espíritas dirigidas e inspiradas por almas superiores; nós mesmos o experimentamos muitas vezes em presença das entida­des que presidem aos trabalhos do nosso grupo de Tours. (204)

Essas impressões vão-se encontrando cada vez mais vivas à medida que se afastam dos planos inferiores onde reinam as impulsões egoístas e fatais e se sobem os degraus da gloriosa hierarquia espiritual para aproxi­mar-se do Foco Divino ; pode-se assim verificar, por uma experiência que vem completar as nossas intuições, que cada alma é um sistema de força e um gerador de amor, cujo poder de ação aumenta com a elevação.

Por isto também se explicam e se afirmam a soli­dariedade e fraternidade universais. Um dia, quando a verdadeira noção do ser se desembaraçar das dúvidas e incertezas que obsidiam o pensamento humano, com­preender-se-á a grande fraternidade que liga as almas. Sentir-se-á que são todas envolvidas pelo magnetismo divino, pelo grande sopro de amor que enche os Espaços.

A parte este poderoso laço, as almas constituem também agrupamentos separados, famílias que se foram pouco a pouco formando através dos séculos, pela comu­nidade das alegrias e das dores. A verdadeira família é a do Espaço; a da Terra não é mais do que uma ima­gem daquela, redução enfraquecida, como o são as coisas deste mundo comparadas com as do Céu. A verdadeira família compõe-se dos Espíritos que subiram juntos as ásperas sendas do destino e são feitas para se compreen­derem e amarem.

Quem pode descrever os sentimentos ternos, íntimos, que unem esses seres, as alegrias inefáveis nascidas da fusão das inteligências e das consciências, a união das almas sob o sorriso de Deus?

Estes agrupamentos espirituais são os centros aben­çoados onde todas as paixões terrestres se apaziguam, onde os egoísmos se desvanecem, onde os corações se dilatam, onde vêm retemperar-se e consolar-se todos aqueles que têm sofrido, quando, livres pela morte, tor­nam a juntar-se com os bem-amados, reunidos para festejarem seu regresso.

Quem pode descrever os êxtases que proporciona às almas purificadas, que chegaram às cumeadas luminosas, a efusão nelas do amor divino e os noivados celestes pelos quais dois Espíritos se ligam para sempre no seio das famílias do Espaço, reunidas para consagrarem com um rito solene essa união simbólica e indestrutível ? Tal é o himeneu verdadeiro, o das almas irmãs, que Deus reúne eternamente com um fio de ouro. Com essas fes­tas do amor, os Espíritos que aprenderam a tornar-se livres e a usar de sua liberdade fundem-se num mesmo fluido, à vista comovida de seus irmãos. Daí em diante, seguirão uns aos outros em suas peregrinações através dos mundos; caminharão, de mãos dadas, sorrindo à des­graça e haurindo na ternura comum a força para su­portar todos os reveses, todas as amarguras da sorte. Algumas vezes, separados pelos renascimentos, conser­varão a intuição secreta de que seu insulamento é ape­nas passageiro; depois das provas da separação, entre­vêem a embriaguez do regresso ao seio das imensidades.

Entre os que caminham neste mundo, solitários, en­tristecidos, curvados sob o fardo da vida, há os que conservam no fundo do coração a vaga lembrança da sua família espiritual. Estes sofrem cruelmente da nostalgia dos Espaços e do amor celeste, e nada entre as alegrias da Terra os pode distrair e consolar. Seu pensamento vai muitas vezes, durante a vigília, e, mais ainda, durante o sono, reunir-se aos seres queridos que os esperam na paz serena do Além. O sentimento profundo das compensa­ções que os .aguardam explica sua força moral na luta e sua aspiração para um mundo melhor. A esperança semeia de flores austeras os atalhos que eles percorrem.

Todo o poder da alma resume-se em três palavras: - Querer, Saber, Amar!

Querer, isto é, fazer convergir toda a atividade, toda a energia, para o alvo que se tem de atingir, desenvol­ver a vontade e aprender a dirigi-la.

Saber, porque sem o estudo profundo, sem o conhe­cimento das coisas e das leis, o pensamento e a vontade podem transviar-se no meio das forças que procuram conquistar e dos elementos a quem aspiram governar.

Acima, porém, de tudo, é preciso amar, porque, sem o amor, a vontade e a ciência seriam incompletas e mui­tas vezes estéreis. O amor ilumina-as, fecunda-as, centuplica-lhes os recursos. Não se trata aqui do amor que contempla sem agir, mas do que se aplica a espalhar o bem e a verdade pelo mundo. A vida terrestre é um con­flito entre as forças do mal e as do bem. O dever de toda alma viril é tomar parte no combate, trazer-lhe todos os seus impulsos, todos os seus meios de ação, lutar pelos outros, por todos aqueles que se agitam ainda na via escura.

O uso mais nobre que se pode fazer das faculdades é trabalhar por engrandecer, desenvolver, no sentido do belo e do bem, a Civilização, a sociedade humana, que tem as suas chagas e fealdades, sem dúvida, mas que é rica de esperanças e magníficas promessas; essas pro­messas transformar-se-ão em realidade vivaz no dia em que a Humanidade tiver aprendido a comungar, pelo pen­samento e pelo coração, com o foco de amor, que é o esplendor de Deus.

Amemos, pois, com todo o poder do nosso coração ; amemos até ao sacrifício, como Joana d'Arc amou a França, como o Cristo amou a Humanidade, e todos aqueles que nos rodeiam receberão nossa influência, sentir-se-ão nascer para nova vida.

Õ homem, procura em volta de ti as chagas a pen­sar, os males a curar, as aflições a consolar. Alarga as inteligências, guia os corações transviados, associa as forças e as almas, trabalha para ser edificada a alta ci­dade de paz e de harmonia que será a cidade de amor, a cidade de Deus ! Ilumina, levanta, purifica ! Que im­porta que se riam de ti ! Que importa que a ingratidão e a maldade se levantem na tua frente! Aquele que ama não recua por tão pouca coisa; ainda que colha espinhos e silvas, continua sua obra, porque esse é seu dever, sabe que a abnegação o engrandece.

O próprio sacrifício também tem suas alegrias; feito com amor, transforma as lágrimas em sorrisos, faz nas­cer em nós alegrias desconhecidas do egoísta e do mau. Para aquele que sabe amar, as coisas mais vulgares são de interesse ; tudo parece iluminar-se ; mil sensações novas despertam nele.

São necessários à sabedoria e à Ciência longos esfor­ços, lenta e penosa ascensão para conduzir-nos às altas regiões do pensamento. O amor e o sacrifício lá chegam de um só pulo, com um único bater de asas. Na sua impulsão conquistam a paciência, a coragem, a benevo­lência, todas as virtudes fortes e suaves. O amor depura a inteligência, põe à larga o coração e é pela soma de amor acumulada em nós que podemos avaliar o caminho que temos andado para Deus.

A todas as interrogações do homem, a suas hesita­ções, a seus temores, a suas blasfêmias, uma voz grande, poderosa e misteriosa responde: Aprende a amar! O amor é o resumo de tudo, o fim de tudo. Dessa maneira, esten­de-se e desdobra-se sem cessar sobre o Universo a imen­sa rede de amor tecida de luz e ouro. Amar é o segredo da felicidade. Com uma só palavra o amor resolve todos os problemas, dissipa todas as obscuridades. O amor sal­vará o mundo; seu calor fará derreter os gelos da dú­vida, do egoísmo, do ódio; enternecerá os corações mais duros, mais refratários.

Mesmo em seus magníficos derivados, o amor é sem­pre um esforço para a beleza. Nem sequer o amor sexual, o do homem e da mulher, deixa, por mais material que pareça, de poder aureolar-se de ideal e poesia, de perder todo o caráter vulgar, se, de mistura com ele, houver um sentimento de estética e um pensamento superior. E isto depende principalmente da mulher. Aquela que ama, sente e vê coisas que o homem não pode conhecer, possui em seu coração inexauríveis reservas de amor, uma espé­cie de intuição que pode dar idéia do Amor Eterno.

A mulher é sempre, de qualquer modo, irmã do mis­tério e a parte de seu ser que toca o infinito parece ter mais extensão do que em nós. Quando o homem responde como a mulher aos apelos do invisível, quando seu amor é isento de todo desejo brutal, se não fazem mais do que um pelo espírito como pelo corpo, então, no abraço desses dois seres que se penetram, se completam para transmitir a vida, passará como um relâmpago, como uma chama, o reflexo de mais altas felicidades entrevistas. São, toda­via, passageiras e misturadas de amarguras as alegrias do amor terrestre ; não andam desacompanhadas de de­cepções, retrocessos e quedas. Somente Deus é o amor na sua plenitude ; é o braseiro ardente e, ao mesmo tempo, o abismo de pensamento e luz, donde dimanam e para quem ascendem eternamente os quentes eflúvios de todos os astros, as ternuras apaixonadas de todos os corações de mulheres, de mães, de esposas, de afeições viris de todos os corações de homens. Deus gera e chama o amor, porque é a Beleza infinita, perfeita, e é proprie­dade da beleza provocar o amor.

Quem, pois, num dia de verão, quando o Sol irradia, quando a imensa cúpula azulada se desenrola sobre nossas cabeças e dos prados e bosques, dos montes e do mar sobem a adoração, a prece muda dos seres e das coisas, quem, pois, deixará de sentir as radiações de amor que enchem o Infinito?

E preciso nunca ter aberto a alma a estas influências sutis para ignorá-las ou negá-las. Muitas almas terres­tres ficam, é verdade, hermeticamente fechadas para as coisas divinas ou, então, se sentem suas harmonias e belezas, escondem cuidadosamente o segredo de si mes­mas; parecem ter vergonha de confessar o que conhecem ou o que de maior e melhor experimentam.

Tentai a experiência'. Abri o vosso ser interno, abri as janelas da prisão da alma aos eflúvios da vida univer­sal e, de súbito, essa prisão encher-se-á de claridades, de melodias; um mundo todo de luz penetrará em vós. Vossa alma arrebatada conhecerá êxtases, felicidades que não se podem descrever; compreenderá que há em seu der­redor um oceano de amor, de força e de vida divina no qual ela está imersa e que lhe basta querer para ser banhada por suas águas regeneradoras. Sentirá no Uni­verso um Poder soberano e maravilhoso que nos ama, nos envolve, nos sustenta, que vela sobre nós como 0 avarento sobre a jóia preciosa, e, invocando-o, dirigin­do-lhe um apelo ardente, será logo penetrada de sua pre­sença e de seu amor. Estas coisas se sentem e exprimem dificilmente ; só as podem compreender aqueles que as saborearam. Mas, todos podem chegar a conhecê-las, a possuí-las, despertando o que há em si de divino. Não há homem, por mais perverso, por pior que seja, que numa hora de abandono e sofrimento, não veja abrir-se uma fresta por onde um pouco da claridade das coisas supe­riores e um pouco de amor se filtrem até ele.

Basta ter experimentado uma vez só estas impres­sões para não as esquecer mais. E quando chega o declí­nio da vida com suas desilusões, quando as sombras crepusculares se acumulam sobre nós, então estas pode­rosas sensações acordam com a memória de todas as alegrias sentidas, e a lembrança das horas em que ver­dadeiramente amamos cai como delicioso orvalho sobre nossas almas dissecadas pelo vento áspero das prova­ções e da dor.

Léon Denis - livro: O Problema do Ser do Destino e da Dor

12/11/2010

O PENSAMENTO –“As Potências da Alma”

pensamento

...para dar ao pensamento toda a força e amplitude, nada mais eficaz do que a investigação dos grandes problemas...

O pensamento é criador...
Todos os nossos pensamentos influenciam...
Para o bem ou para o mal

Todo pensamento um dia volta...
É lei da física...

Ideais elevados: luz...
Ideais baixos: sombras...

Tudo evolui...
Para melhorar o pensamento
é necessário ler e refletir...

A reflexão... a meditação...
Amadurece as idéias...

E isso nos vai tornando melhores...

O pensamento é criador. Assim como o pensamento do Eterno projeta sem cessar no espaço os germens dos seres e dos mundos, assim também o do escritor, do ora­dor, do poeta, do artista, faz brotar incessante flores­cência de idéias, de obras, de concepções, que vão in­fluenciar, impressionar para o bem ou para o mal, se­gundo sua natureza, a multidão humana.

Aqui a missão dos obreiros do pensamento é ao mesmo tempo grande, temível e sagrada. Grande e sagrada, porque o pensamento dissipa as sombras do caminho, resolve os enigmas da vida e traça o caminho da Humanidade ; é a sua chama aquece as almas e ilumina os desertos da existência. temível, porque seus efeitos são poderosos tanto para a descida como para a ascensão.

Mais cedo ou mais tarde todo produto do espírito reverte para seu autor com suas conseqüências, acarre­tando-lhe, segundo o caso, o sofrimento, uma diminuição,uma privação de liberdade, ou, então, satisfações íntimas, uma dilatação, uma elevação do ser.

A vida atual é, como se sabe, um simples episódio de nossa longa história, um fragmento da grande cadeia que se desenrola para todos através da imensidade. E constantemente recaem sobre nós, em brumas ou clari­dades, os resultados de nossas obras. A alma humana percorre seu caminho cercada de uma atmosfera brilhan­te ou turva, povoada pelas criações de seu pensamento. isto, na vida do Além, sua glória ou sua vergonha.

Para dar ao pensamento toda a força e amplitude, nada há mais eficaz do que a investigação dos grandes problemas.

Por bem dizer, é preciso sentir com veemência; para saborear as sensações elevadas e profundas, é necessário remontar à nascente de que deriva toda a vida, toda a harmonia, toda a beleza.

O que há de nobre e elevado no domínio da inteli­gência emana de uma causa eterna, viva e pensante. Quanto mais largo é o vôo do pensamento para essa causa, tanto mais alto ela paira, tanto mais radiosas também são as claridades entrevistas, mais inebriantes as alegrias sentidas, mais poderosas as forças adquiridas, mais geniais as inspirações! Depois de cada vôo, o pensamento torna a descer vivificado, esclarecido para o campo terrestre, a fim de prosseguir a tarefa pela qual continuará a desenvolver-se, porque é o trabalho que faz a inteligência como é a inteligência que faz a beleza, o esplendor da obra acabada.

Eleva teu olhar, ó pensador, ó poeta! Lança teu brado de apelo, de aspiração e prece! Diante do mar de reflexos variáveis, à vista de brancos cimos longínquos ou do infinito estrelado, não passaste nunca horas de êxtase e embriaguez, em que a alma se sente imersa num sonho divino, em que a inspiração chega poderosa como um relâmpago, rápido mensageiro do Céu à Terra?

Escuta bem ! Nunca ouviste, no fundo de teu ser, vibrarem as harmonias estranhas e confusas, os rumores do mundo invisível, vozes de sombra que te acalentam pensamento e o preparam para as intuições supremas?

Em todo poeta, artista ou escritor há germens de mediocrdade inconsciente, incalculáveis, e que desejam desabrochar; por eles o obreiro do pensamento entra com o manancial inexorável e recebe sua parte de revelação. Esta revelação de estética, apropriada à sua natureza, ao gênero de seu talento, tem ele por missão exprimi-la em obras que farão penetrar na alma das multidões uma vibração das forças divinas, uma radiação das verdades eternas.

É na comunhão freqüente e consciente com o mundo dos Espíritos que os gênios do futuro hão de encontrar os elementos de suas obras. Desde hoje, a penetração dos segredos de sua dupla vida vem oferecer ao homem socorros e luzes que as religiões desfalecidas já lhe não podem proporcionar.

Em todos os domínios, a idéia espírita vai fecundar o pensamento em atividade.

A Ciência dever-lhe-á a renovação completa de suas teorias e métodos. Dever-lhe-á a descoberta de forças incalculáveis e a conquista do universo oculto. A Filo­sofia obterá um conhecimento mais extenso e preciso da personalidade humana. Esta, no transe e na exterioriza­ção, é como uma cripta que se abre, cheia de coisas estra­nhas e onde está escondida a chave do mistério do ser.

As religiões do futuro hão de encontrar no Espiri­tismo as provas da sobrevivência e as regras da vida no Além, ao mesmo tempo que o princípio de uma união das duas humanidades, visível e invisível, em sua ascensão para o Pai comum.

A Arte, em todas as suas formas, descobrirá nele mananciais inexauríveis de inspiração e emoção.

O homem do povo, nas horas de cansaço, beberá nele a coragem moral. Compreenderá que a alma pode desen­volver-se tanto pela lide humilde como pela obra majes­tosa e que não se deve desprezar dever algum ; que a inveja é irmã do ódio e que, muitas vezes, o ser é menos feliz no luxo que na mediocridade. O poderoso aprenderá nele a bondade com o sentimento da solidariedade que a todos liga através de nossas vidas e pode obrigar-nos voltar pequenos para adquirirmos as virtudes modes­tas. O céptico achará nele a fé; o desanimado as espe­ranças duradouras e as resoluções viris; todos os que sofrem encontrarão a idéia profunda de que uma lei de justiça preside a todas as coisas, de que não há, em nenhum domínio, efeito sem causa, parto sem dor, vitó­ria sem combate, triunfo sem rudes esforços, mas que, acima de tudo, reina uma perfeita e majestosa sanção e que ninguém está abandonado por Deus, de que é uma parcela.

Assim, vagarosamente se operará a renovação da Humanidade, tão nova ainda, tão ignorante de si mesma, mas cujos desejos se dirigem pouco a pouco para a com­preensão de sua tarefa e de seu fim, ao mesmo tempo que se alarga seu campo de exploração e a perspectiva de um futuro ilimitado. E em breve eis que ela avançará mais consciente de si mesma e de sua força, consciente de seu magnífico destino. A cada passo que transpõe, vendo e querendo mais, sentindo brilhar e avivar-se o foco que arde em si, vê também as trevas recuarem, fun­direm-se, resolverem-se os sombrios enigmas do mundo e iluminar-se o caminho com um raio poderoso.

Com as sombras, desvanecem-se pouco a pouco os preconceitos, os vãos terrores; as contradições aparentes do Universo dissipam-se; faz-se a harmonia nas almas nas coisas. Então, a confiança e a alegria penetram­-lhe e o homem sente desenvolver-se-lhe o pensamento e o coração. E de novo avança pelo caminho das idades para o termo de sua obra; mas, esta não tem termo. Porque, de cada vez que a Humanidade se eleva para um novo ideal, julga ter alcançado o ideal supremo, quando, na realidade, só atingiu a crença ou o sistema correspondente ao seu grau de evolução. Mas, de cada vez também, de seus impulsos e de seus triunfos decorrem­-lhe felicidades e forças novas, e ela encontra a recom­pensa de seus labores e angústias no próprio labor, na alegria de viver e progredir, que é a lei dos seres, comunhão mais íntima com o Universo, numa posse mais completa do Bem e do Belo.

Os , poetas, vós, cujo número au­menta todos os dias, cujas produções se multiplicam e sobem como a maré, belas muitas vezes pela forma, mas fracas no fundo, superficiais e materiais, quanto talento não gastais com coisas medíocres! Quantos esforços des­perdiçados e postos ao serviço de paixões nocivas, de volúpias inferiores e interesses vis!

Quando vastos e magníficos horizontes se desdo­bram, quando o livro maravilhoso do Universo e da alma se abre de par em par diante de vós e o Gênio do pensa­mento vos convida para nobres tarefas, para obras cheias de seiva, fecundas para o adiantamento da Humanidade, vós vos comprazeis bastas vezes com estudos pueris e estéreis, com trabalhos em que a consciência se estiola, em que a inteligência se abate e definha no culto exage­rado dos sentidos e dos instintos impuros.

Quem de vós dirá a epopéia da alma lutando pela conquista de seus destinos no ciclo imenso das idades e dos mundos, suas dores e alegrias, suas quedas e levan­tamentos, a descida aos abismos da vida, o bater de asas para a luz, as imolações, os holocaustos que são um res­gate, as missões redentoras, a participação cada vez maior das concepções divinas!

Quem dirá também as poderosas harmonias do Uni­verso, harpa gigantesca vibrando ao pensamento de Deus, o canto dos mundos, o ritmo eterno que embala a gênese dos astros e das humanidades! Ou, então, a lenta elabo­ração, a dolorosa gestação da consciência através dos estádios inferiores, a construção laboriosa de uma indi­vidualidade, de um ser moral!

Quem dirá a conquista da vida, cada vez mais com­pleta, mais ampla, mais serena, mais iluminada pelos raios do Alto, a marcha, de cimo em cimo, em busca da felicidade, do poder e do puro amor? Quem cantará a obra do homem, lutador imortal, erguendo, através de suas dúvidas, dilaceramentos, angústias e lágrimas o edi­fício harmônico e sublime de sua personalidade pensante e consciente ? Sempre para a frente, para mais longe e para mais alto! Responderão: Não sabemos. E perguntam: Quem nos ensinará essas coisas?

Quem? As vozes interiores e as vozes do Além. Aprendei a abrir, a folhear, a ler o livro oculto em vós, o livro das metamorfoses do ser. Ele vos dirá o que fostes e o que sereis, ensinar-vos-á o maior dos mistérios, a criação do "eu" pelo esforço constante, a ação sobe­rana que, no pensamento silencioso, faz germinar a obra e, segundo vossas aptidões, vosso gênero de talento, far-vos-á pintar as telas mais encantadoras, esculpir as mais ideais formas, compor as sinfonias mais harmonio­sas, escrever as páginas mais brilhantes, realizar os mais belos poemas.

Tudo está aí, em vós, em roda de vós. Tudo fala, tudo vibra, o visível e o invisível, tudo canta e celebra a glória de viver, a ebriedade de pensar, de criar, de associar-se à obra universal. Esplendores dos mares e do céu estrelado, majestade dos cimos, perfumes das flores­tas, melodias da terra e do espaço, vozes do invisível que falam no silêncio da noite, vozes da consciência, eco da voz divina, tudo é ensino e revelação para quem sabe ver, escutar, compreender, pensar, agir !

Depois, acima de tudo, a Visão Suprema, a visão sem formas, o Pensamento incriado, verdade total, harmonia final das essências e das leis que, desde o fundo de nosso ser até a estrela mais distante, liga tudo e todos em sua unidade resplandecente. ~ a cadeia de vida, que se eleva e desenrola no Infinito, escada das potências espirituais que levam a Deus os apelos do homem pela oração e trazem ao homem as respostas de Deus pela inspiração.

Agora, uma última pergunta. Por que é que, no meio do imenso labor e da abundante produção intelectual que caracterizam nossa época, se encontram tão poucas obras viris e concepções geniais ? Porque deixamos de ver as coisas divinas com os olhos da alma! Porque deixamos de crer e amar!

Remontemos, pois, às origens celestes e eternas; é o único remédio para nossa anemia moral. Dirijamos pensamento para as coisas solenes e profundas. Ilumi­ne-se e complete-se a Ciência com as intuições da cons­ciëncia e as faculdades superiores do espírito. O Espiri­tualismo moderno a auxiliará.

- A disciplina do pensamento e a reforma do caráter

O pensamento, dizíamos, é criador. Não atua somen­te em roda de nós, influenciando nossos semelhantes para o bem ou para o mal; atua principalmente em nós; gera nossas palavras, nossas ações e, com ele, construímos, dia a dia, o edifício grandioso ou miserável de nossa vida presente e futura. Modelamos nossa alma e seu invólucro com os nossos pensamentos; estes produzem formas, ima­gens que se imprimem na matéria sutil, de que o corpo fluídico é composto. Assim, pouco a pouco, nosso ser povoa-se de formas frívolas ou austeras, graciosas ou terríveis, grosseiras ou sublimes; a alma se enobrece, em­beleza ou cria uma atmosfera de fealdade. Segundo ideal a que visa, a chama interior aviva-se ou obscurece-se.

Não há assunto mais importante que o estudo do pensamento, seus poderes e ação. É a causa inicial de nossa elevação ou de nosso rebaixamento; prepara todas as descobertas da Ciência, todas as maravilhas da Arte, mas também todas as misérias e todas as vergonhas da Humanidade. Segundo o impulso dado, funda ou destrói as instituições como os impérios, os caracteres como as consciências. O homem só é grande, só tem valor pelo seu pensamento; por ele suas obras irradiam e se perpetuam através dos séculos. O Espiritualismo experimental, muito melhor que as doutrinas anteriores, permite-nos perce­ber, compreender toda a força de projeção do pensamen­to, que é o princípio da comunhão universal. Vemo-lo agir no fenômeno espírita, que facilita ou dificulta; seu papel nas sessões de experimentação é sempre considerável. A Telepatia demonstrou-nos que as almas podem impres­sionar-se, influenciar-se a todas as distâncias; é o meio de que se servem as humanidades do Espaço para comunicarem entre si através das imensidades siderais. Em qualquer campo das atividades sociais, em todos os do­mínios do mundo visível ou invisível, a ação do pensa­mento é soberana; não é menor sua ação, repetimos, em nós mesmos, modificando constantemente nossa natureza íntima.

As vibrações de nossos pensamentos, de nossas pa­lavras, renovando-se em sentido uniforme, expulsam de nosso invólucro os elementos que não podem vibrar em harmonia com elas; atraem elementos similares que acentua as tendências do ser. Uma obra, muitas vezes in­consciente, elabora-se; mil obreiros misteriosos traba­lham na sombra; nas profundezas da alma esboça-se um destino inteiro; em sua ganga o diamante purifica-se ou perde o brilho.

Se meditarmos em assuntos elevados, na sabedoria, no dever, no sacrifício, nosso ser impregna-se, pouco a pouco, das qualidades de nosso pensamento. E por isso que a prece improvisada, ardente, o impulso da alma para as potências infinitas, tem tanta virtude. Nesse diálogo solene do ser com sua causa, o influxo do Alto invade­-nos e desperta sentidos novos. A compreensão, a cons­ciência da vida aumenta e sentimos, melhor do que se pode exprimir, a gravidade e a grandeza da mais humilde das existências. A oração, a comunhão pelo pensamento com o universo espiritual e divino é o esforço da alma para a Beleza e para a Verdade eternas; é a entrada, por um instante, nas esferas da vida real e superior, aquela que não tem termo.

Se, ao contrário, nosso pensamento é inspirado por maus desejos, pela paixão, pelo ciúme, pelo ódio, as ima­gens que cria sucedem-se, acumulam-se em nosso corpo fluídico e o entenebrecem. Assim, podemos à vontade fazer em nós a luz ou a sombra. o que afirmam tantas comunicações de além-túmulo. Somos o que pensamos, com a condição de pensarmos com força, vontade e per­sistência. Mas, quase sempre, nossos pensamentos pas­sam constantemente de um a outro assunto. Pensamos raras vezes por nós mesmos, refletimos os mil pensa­mentos incoerentes do meio em que vivemos. Poucos homens sabem viver do próprio pensamento, beber nas fontes profundas, nesse grande reservatório de inspira­ção que cada um traz consigo, mas que a maior parte ignora. Por isso criam um invólucro povoado das mais disparatadas formas. Seu Espírito é como uma habitação franca a todos os que passam. Os raios do bem e as sombras do mal lá se confundem, num caos perpétuo. o combate incessante da paixão e do dever em que, quase sempre, a paixão sai vitoriosa. Primeiro que tudo, é pre­ciso aprender a fiscalizar os pensamentos, a discipli­ná-los, a imprimir-lhes uma direção determinada, um fim nobre e digno.

A fiscalização dos pensamentos implica a fiscaliza­ção dos atos, porque, se uns são bons, os outros sê-lo-ão igualmente, e todo o nosso procedimento achar-se-á regu­lado por uma concatenação harmônica. Ao passo que, se nossos atos são bons e nossos pensamentos maus, apenas haverá uma falsa aparência do bem e continuaremos a trazer em nós um foco malfazejo, cujas influências, mais cedo ou mais tarde, derramar-se-ão fatalmente sobre nossa vida.

As vezes observamos uma contradição surpreendente entre os pensamentos, os escritos e as ações de certos homens, e somos levados, por esta mesma contradição, a duvidar de sua boa-fé, de sua sinceridade. Muitas vezes não há mais do que uma interpretação errônea de nossa parte. Os atos desses homens resultam do impulso surdo dos pensamentos e das forças que eles acumularam em si no passado. Suas aspirações atuais, mais elevadas, seus pensamentos mais generosos traduzir-se-ão em atos no futuro. Assim, tudo se combina e explica quando se con­sideram as coisas do largo ponto de vista da evolução; ao passo que tudo fica obscuro, incompreensível, contra­ditório com a teoria de uma vida única para cada um de nós.

O contacto pelo pensamento com os escritores de gênio, com os autores verdadeiramente grandes de todos os tempos e países, lendo, meditando suas obras, impregnando todo o nosso ser da substância de sua alma. As radiações de seus pensamentos desper­tarão em nós efeitos semelhantes e produzirão, com o tempo, modificações de nosso caráter pela própria natu­reza das impressões sentidas.

E necessário escolhermos com cuidado nossas leitu­ras, depois amadurecê-las e assimilar-lhes a quintessên­cia. Em geral lê-se demais, lê-se depressa e não se medita. Seria preferível ler menos e refletir mais no que meio seguro de fortalecer nossa inteligência, de colher os frutos de sabedoria e beleza que podem conter nossas leituras. Nisso, como em todas as coisas, o belo atrai e gera o belo, do mesmo modo que a bondade atrai a felicidade, e o mal o sofrimento.

O estudo silencioso e recolhido é sempre fecundo para o desenvolvimento do pensamento. É no silêncio que se elaboram as obras fortes. A palavra é brilhante, mas degenera demasiadas vezes em conversas estéreis, às vezes maléficas; com isso, o pensamento se enfraquece e a alma esvazia-se. Ao passo que na meditação o Espírito se con­centra, volta-se para o lado grave e solene das coisas; a luz do mundo espiritual banha-o com suas ondas. Há em roda do pensador grandes seres invisíveis que só querem inspirá-lo ; é à meia-luz das horas tranqüilas ou então à claridade discreta da lâmpada de trabalho que melhor podem entrar em comunhão com ele. Em toda a parte e sempre uma vida oculta mistura-se com a nossa. Evi­temos as discussões ruidosas, as palavras vãs, as leituras frívolas. Sejamos sóbrios de jornais. A leitura dos jornais, fazendo-nos passar continuamente de um assunto para outro, torna o Espírito ainda mais instável. Vive­mos numa época de anemia intelectual, que é causada pela raridade dos estudos sérios, pela procura abusiva da palavra pela palavra, da forma enfeitada e oca, e, princi­palmente, pela insuficiência dos educadores da mocidade. Apliquemo-nos a obras mais substanciais, a tudo o que pode esclarecer-nos a respeito das leis profundas da vida e facilitar nossa evolução. Pouco a pouco, ir-se-ão edifi­cado em nós uma inteligência e uma consciência mais fortes, e nosso corpo fluídico iluminar-se-á com os reflexos de um pensamento elevado e puro.

Dissemos que a alma oculta profundezas onde o pen­samento raras vezes desce, porque mil objetos externos ocupam-no incessantemente. Sua superfície, como a do mar, é muitas vezes agitada; mas, por baixo, se estendem regiões inacessíveis às tempestades. Aí dormem as po­tências ocultas, que esperam nosso chamamento para emergirem e aparecerem. O chamamento raras vezes se faz ouvir e o homem agita-se em sua indigência, igno­rante dos tesouros inapreciáveis que nele repousam.

E necessário o choque das provações, as horas tris­tes e desoladas para fazer-lhe compreender a fragilidade das coisas externas e encaminhá-lo para o estudo de si mesmo, para a descoberta de suas verdadeiras riquezas espirituais.

É por isso que as grandes almas se enobrecem e embelezam tanto mais quanto mais vivas são suas dores. A cada nova desgraça que as fere têm a sensação de se haverem aproximado um pouco mais da verdade e da perfeição e, a este pensamento, experimentam uma como volúpia amarga. Levantou-se uma nova estrela no céu de seu destino, estrela cujos raios trêmulos penetram no santuário de sua consciência e lhe iluminam os recôndi­tos. Nas inteligências de cultura elevada faz sementeira a desgraça: cada dor é um sulco onde se levanta uma seara de virtude e beleza.

Em certas horas de nossa vida, quando nos morre nossa mãe, quando se desmorona uma esperança arden­temente acariciada, quando se perde a mulher, o filho amado, de cada vez que se despedaça um dos laços que nos ligavam a este mundo, uma voz misteriosa eleva-se nas profundezas de nossa alma, voz solene que nos fala de mil leis augustas, mais veneráveis que as da Terra e entreabre-se todo um mundo ideal. Mas, os ruídos do exterior abafam-na bem depressa e o ser humano recai quase sempre em suas dúvidas, em suas hesitações, na rara vulgaridade de sua existência.

Não há progresso possível sem observação atenta de nós mesmos. necessário vigiar todos os nossos atos impulsivos para chegarmos a saber em que sentido de­vemos dirigir nossos esforços para nos aperfeiçoarmos. Primeiramente, regular a vida física, reduzir as exigên­cias materiais ao necessário, a fim de garantir a saúde do corpo, instrumento indispensável para o desempenho de nosso papel terrestre. Depois disciplinar as impres­sões, as emoções, exercitando-nos em dominó-las, em utili­zá-las como agentes de nosso aperfeiçoamento moral; aprender principalmente a esquecer, a fazer o sacrifício do "eu", a desprender-nos de todo o sentimento de egoís­mo. A verdadeira felicidade neste mundo está na pro­porção do esquecimento próprio.

Não basta crer e saber, é necessário viver nossa crença, isto é, fazer penetrar na prática diária da vida os princípios superiores que adotamos; é necessário habi­tuarmo-nos a comungar pelo pensamento e pelo coração com os Espíritos eminentes que foram os reveladores, com todas as almas de escol que serviram de guias à Huma­nidade, viver com eles numa intimidade cotidiana, inspi­rar-nos em suas vistas e sentir sua influência pela per­cepção íntima que nossas relações com o mundo invisível desenvolvem.

Entre estas grandes almas é bom escolher uma como exemplo, a mais digna de nossa admiração e, em todas as circunstâncias difíceis, em todos os casos em que nossa consciência oscila entre dois partidos a tomar, inquirir­mos o que ela teria resolvido e procedermos no mesmo sentido.

Assim, pouco a pouco, iremos construindo, de acordo com esse modelo, um ideal moral que se refletirá em todos os nossos atos. Todo homem, na humilde realidade de cada dia, pode ir modelando uma consciência sublime. A obra é vagarosa e difícil, mas, por isso, são-nos dados os séculos.

Concentremos, pois, muitas vezes, nossos pensamen­tos, para dirigi-los, pela vontade, em direção ao ideal sonhado. Meditemos nele todos os dias, à hora certa, de preferência pela manhã, quando tudo está sossegado e repousa ainda em roda de nós, nesse momento a que o poeta chama "a hora divina", quando a Natureza, fresca e descansada, acorda para as claridades do dia.

Nas horas matinais, a alma, pela oração e pela me­ditação, eleva-se com mais fácil impulso até às alturas donde se vê e compreende que tudo - a vida, os atos, os pensamentos - está ligado a alguma coisa grande e eterna e que habitamos um mundo em que potências invisíveis vivem e trabalham conosco. Na vida mais sim­ples, na tarefa mais modesta, na existência mais apagada, mostram-se, então, faces profundas, uma reserva de ideal, fontes possíveis de beleza. Cada alma pode criar com seus pensamentos uma atmosfera espiritual tão bela, tão resplandecente, como nas paisagens mais encantadoras; e, na morada mais mesquinha, no mais miserável tugúrio, há frestas para Deus e para o Infinito!

Em todas as nossas relações sociais, em nossas re­lações com os nossos semelhantes, é preciso nos lembre­mos constantemente disto : Os homens são viajantes em marcha, ocupando pontos diversos na escala da evolução pela qual todos subimos. Por conseguinte, nada devemos exigir, nada devemos esperar deles, que não esteja em relação com seu grau de adiantamento.

A todos devemos tolerância, benevolência e até per­dão; porque, se nos causam prejuízo, se escarnecem de nós e nos ofendem, é quase sempre pela falta de com­preensão e de saber, resultantes de desenvolvimento insu­ficiente. Deus não pede aos homens senão o que eles têm podido adquirir à custa de lentos e penosos trabalhos.

Não temos o direito de exigir mais. Não fomos seme­lhantes aos mais atrasados deles ? Se cada um de nós pudesse ler em seu passado o que foi, o que fez, quanto não seria maior nossa indulgência para com as faltas alheias! As vezes também carecemos da mesma indul­gência que lhes devemos. Sejamos severos conosco e tole­rantes com os outros. Instruamo-los, esclareçamo-los, guiemo-los com doçura, é o que a lei de solidariedade nos preceitua.

Enfim, é preciso saber suportar todas as coisas com paciência e serenidade. Seja qual for o procedimento de nossos semelhantes para conosco, não devemos conceber nenhuma animosidade ou ressentimento; mas, ao contrário, saibamos fazer reverter em benefício de nossa própria educação moral todas as causas de aborrecimen­to e aflição. Nenhum revés poderia atingir-nos, se, por nossas vidas anteriores e culpadas, não tivéssemos dado margem à adversidade. É isto o que muitas vezes se deve repetir. Chegaremos, assim, a aceitar todas as provações sem amargura, considerando-as como reparação do pas­sado ou como meio de aperfeiçoamento.

De grau em grau chegaremos, assim, ao sossego de espírito, à posse de nós mesmos, à confiança absoluta no futuro, que dão a força, a quietação, a satisfação íntima, permitindo-nos ficar firmes no meio das mais duras vicissitudes.

Quando chega a idade, as ilusões e as esperanças vãs caem como folhas mortas; mas, as altas verdades apare­cem com mais brilho, como as estrelas no céu de inverno através dos ramos nus de nossos jardins.

Pouco importa, então, que o destino não nos tenha oferecido nenhuma glória, nenhum raio de alegria, se tiver enriquecido nossa alma com mais uma virtude, com alguma beleza moral. As vidas obscuras e atormentadas são, às vezes, as mais fecundas, ao passo que as vidas suntuosas nos prendem, bastas vezes e por muito tempo, na corrente formidável de nossas responsabilidades.

A felicidade não está nas coisas externas nem nos acasos do exterior, mas somente em nós mesmos, na vida interna que soubermos criar. Que importa que o céu esteja escuro por cima de nossas cabeças e os homens sejam ruins em volta de nós, se tivermos a luz na fronte, alegria do bem e a liberdade moral no coração? Se, porém, eu tiver vergonha de mim mesmo, se o mal tiver invadido meu pensamento, se o crime e a traição habi­tarem em mim, todos os favores e todas as felicidades da Terra não me restituirão a paz silenciosa e a alegria da consciência. O sábio cria, desde este mundo, para si mesmo, um refúgio seguro, um lugar sagrado, um retiro profundo onde não chegam as discórdias e as contrarie­dades do exterior. Do mesmo modo, na vida do Espaço a sanção do dever e a realização da justiça são de ordem inteiramente íntima; cada alma traz em si sua claridade ou sua sombra, seu paraíso ou seu inferno. Mas, lembre­mo-nos de que nada há irreparável; a situação atual do Espírito inferior não é mais que um ponto quase imper­ceptível na imensidade de seus destinos.

Léon Denis - livro: O Problema do Ser do Destino e da Dor

11/11/2010

O LIVRE ARBÍTRIO – “As Potências da Alma”

escolhas

A liberdade é a condição necessária da alma huma­na que, sem ela, não poderia construir seu destino. em vão que os filósofos e os teólogos têm argumentado lon­gamente a respeito desta questão. A luta têm-na obscurecido com suas teorias e sofismas, votando a Humanidade à servidão em vez de a guiar para a luz libertadora. A noção é simples e clara. Os druidas ha­viam-na formulado desde os primeiros tempos de nossa História. Está expressa nas "Tríades" por estes termos Há três unidades primitivas - Deus, a luz e a liberdade.

Aprendera vista, a liberdade do homem parece muito limitada no círculo de fatalidades que o encerra: neces­sidades físicas, condições sociais, interesses ou instintos. Mas, considerando a questão mais de perto, vê-se que esta liberdade é sempre suficiente para permitir que a alma quebre este círculo e escape às forças opressoras.

A liberdade e a responsabilidade são correlativas no ser e aumentam com sua elevação ; é a responsabilidade do homem que faz sua dignidade e moralidade. Sem ela, não seria ele mais do que um autômato, um joguete das forças ambientes : a noção de moralidade é inseparável da de liberdade.

A responsabilidade é estabelecida pelo testemunho da consciência, que nos aprova ou censura segundo a natureza de nossos atos. A sensação do remorso é uma prova mais demonstrativa que todos os argumentos filo­sóficos. Para todo Espírito, por pequeno que seja o seu grau de evolução, a Lei do dever brilha como um farol, através da névoa das paixões e interesses. Por isso, vemos todos os dias homens nas posições mais humildes e difíceis preferirem aceitar provações duras a se abai­xarem a cometer atos indignos.

Se a liberdade humana é restrita, está, pelo menos em via de perfeito desenvolvimento, porque o progresso não é outra coisa mais do que a extensão do livre-arbí­trio no indivíduo e na coletividade. A luta entre a ma­téria e o espírito tem precisamente como objetivo libertar este último cada vez mais do jugo das forças cegas. A inteligência e a vontade chegam, pouco a pouco, a pre­dominar sobre o que a nossos olhos representa a fata­lidade. O livre-arbítrio é, pois, a expansão da personali­dade e da consciência. Para sermos livres é necessário querer sê-lo e fazer esforço para vir a sê-lo, libertando­-nos da escravidão da ignorância e das paixões baixas, substituindo o império das sensações e dos instintos pelo da razão.

Isto só se pode obter por uma educação e uma pre­paração prolongada das faculdades humanas: libertação física pela limitação dos apetites; libertação intelectual pela conquista da verdade ; libertação moral pela procura da virtude. É esta a obra dos séculos. Mas, em todos os graus de sua ascensão, na repartição dos bens e dos males da vida, ao lado da concatenação das coisas, sem prejuízo dos destinos que nosso passado nos inflige, há sempre lugar para a livre vontade do homem.

*

Como conciliar nosso livre-arbítrio com a presciência divina? Perante o conhecimento antecipado que Deus tem de todas as coisas, pode-se verdadeiramente afirmara liberdade humana? Questão complexa e árdua na apa­rência que fez correr rios de tinta e cuja solução é, con­tudo, das mais simples. Mas, o homem não gosta das coisas simples; prefere o obscuro, o complicado, e não aceita a verdade senão depois de ter esgotado todas as formas do erro.

Deus, cuja ciência infinita abrange todas as coisas, conhece a natureza de cada homem e as impulsões, as tendências, de acordo com as quais poderá determinar-se. Nós mesmos, conhecendo o caráter de uma pessoa, pode­ríamos facilmente prever o sentido em que, numa dada circunstância, ela decidirá, quer segundo o interesse, quer segundo o dever. Uma resolução não pode nascer de nada. Está forçosamente ligada a uma série de causas e efei­tos anteriores de que deriva e que a explicam. Deus, conhecendo cada alma em suas menores particularidades, pode, pois, rigorosamente, deduzir, com certeza, do conhe­cimento que tem dessa alma e das condições em que ela é chamada a agir, as determinações que, livremente, ela tomará.

Notemos que não é a previsão de nossos atos que os provoca. Se Deus não pudesse prever nossas resoluções, não deixariam elas, por isso, de seguir seu livre curso.

É assim que a liberdade humana e a previdência divina conciliam-se e combinam, quando se considera o problema à luz da razão.

O círculo dentro do qual se exerce a vontade do homem, é, de mais a mais, excessivamente restrito e não pode, em caso algum, impedir a ação divina, cujos efeitos se desenrolam na imensidade sem limites. O fraco inseto, perdido num canto do jardim, não pode, desarranjando os poucos átomos ao seu alcance, lançar a perturbação na harmonia do conjunto e pôr obstáculos à obra do Di­vino Jardineiro.

A questão do livre-arbítrio tem uma importância capital e graves conseqüências para toda a ordem social,por sua ação e repercussão na educação, na moralidade, na justiça, na legislação, etc. Determinou duas correntes opostas de opinião - os que negam o livre-arbítrio e os que o admitem com restrição.

Os argumentos dos fatalistas e deterministas resu­mem-se assim : "O homem está submetido aos impulsos de sua natureza, que o dominam e obrigam a querer, determinara-se num sentido, de preferência a outro ; logo, não é livre."

A escola adversa, que admite a livre vontade do homem, em face desse sistema negativo, exalta a teoria das causas indeterminadas. Seu mais ilustre represen­tante, em nossa época, foi Ch. Renouvier.

As vistas desse filósofo foram confirmadas, mais recentemente, pelos belos trabalhos de Wundt, sobre a percepção, de Alfred Fouillée sobre a idéia-força e de Boutroux sobre a contingência da lei natural.

Os elementos que a revelação neo-espiritualista nos traz, sobre a natureza e o futuro do ser, dão à teoria do livre-arbítrio sanção definitiva. Vêm arrancar a consciên­cia moderna à influência deletéria do materialismo e orientar o pensamento para uma concepção do destino, que terá por efeito, como dizia C. du Prel, recomeçar a vida interior da Civilização.

Até agora, tanto sob o ponto de vista teológico como determinista, a questão tinha ficado quase insolú­vel. Nem doutro modo podia ser, pois que cada um daque­les sistemas partia do dado inexato de que o ser humano tem de percorrer uma única existência. A questão muda, porém, inteiramente de aspecto se alargar o círculo da vida e se considerar o problema à luz que projeta a doutrina dos renascimentos. Assim, cada ser conquista a própria liberdade no decurso da evolução que tem de perfazer.

Suprida, a princípio, pelo instinto, que pouco a pouco desaparece para dar lugar à razão, nossa liberdade é muito escassa nos graus inferiores e em todo o período de nossa educação primária. Toma extensão considerável, desde que o Espírito adquire a compreensão da lei.

E sempre, em todos os graus de sua ascensão, na hora das resoluções importantes, será assistido, guiado, acon­selhado por Inteligências superiores, por Espíritos maio­res e mais esclarecidos do que ele.

O livre-arbítrio, a livre vontade do Espírito exer­ce-se principalmente na hora das reencarnações. Esco­lhendo tal família, certo meio social, ele sabe de antemão quais são as provações que o aguardam, mas compreende, igualmente, a necessidade destas provações para desen­volver suas qualidades, curar seus defeitos, despir seus preconceitos e vícios. Estas provações podem ser tam­bém conseqüência de um passado nefasto, que é preciso reparar, e ele aceita-as com resignação e confiança, porque sabe que seus grandes irmãos do Espaço não 0 abandonarão nas horas difíceis.

O futuro aparece-lhe então, não em seus pormeno­res, mas em seus traços mais salientes, isto é, na medida em que esse futuro é a resultante de atos anteriores. Estes atos representam a parte de fatalidade ou "a pre­destinação" que certos homens são levados a ver em todas as vidas. São simplesmente, como vimos, efeitos ou reações de causas remotas. Na realidade, nada há de fatal e, qualquer que seja o peso das responsabilidades em que se tenha incorrido, pode-se sempre atenuar, mo­dificar a sorte com obras de dedicação, de bondade, de caridade, por um longo sacrifício ao dever.

O problema do livre-arbítrio tem, dizíamos, grande importância sob o ponto de vista jurídico. Tendo, não obstante, em conta o direito de repressão e preservação social, é muito difícil precisar, em todos os casos que dependem dos tribunais, a extensão das responsabilida­des individuais. Não é possível fazê-lo senão estabele­cendo o grau de evolução dos criminosos. O neo-espiri­tualismo fornecer-nos-ia talvez os meios; mas, a justiça humana, pouco versada nestas matérias, continua a ser cega e imperfeita em suas decisões e sentenças.

Muitas vezes o mau, o criminoso não é, na realidade, mais do que um Espírito novo e ignorante em que a razão não teve tempo de amadurecer. "O crime, diz Duclos, é sempre o resultado dum falso juízo." É par isso que as penalidades infligidas deveriam ser estabelecidas de modo que obrigassem o condenado a refletir, a ins­truir-se, a esclarecer-se, a emendar-se. A sociedade deve corrigir com amor e não com ódio, sem o que se torna criminosa.

As almas, como demonstramos, são equivalentes em seu ponto de partida. São diferentes por seus graus infinitos de adiantamento : umas novas ; outras velhas, e, por conseguinte, diversamente desenvolvidas em mora­lidade e sabedoria, segundo a idade. Seria injusto pedir ao Espírito infantil méritos iguais aos que se podem esperar de um Espírito que viu e aprendeu muito. Daí uma grande diferenciação nas responsabilidades.

O Espírito só está verdadeiramente preparado para a liberdade no dia em que as leis universais, que lhe são externas, se tornem internas e conscientes pelo fato de sua evolução. No dia em que ele se penetrar da lei e fizer dela a norma de suas ações, terá atingido ponto moral em que o homem se possui, domina e go­verna a si mesmo.

Daí em diante já não precisará do constrangimento e da autoridade sociais para corrigir-se. E dá-se com a coletividade o que se dá com o indivíduo. Um povo só verdadeiramente livre, digno da liberdade, se aprendeu a obedecer a essa lei interna, lei moral, eterna e univer­sal, que não emana nem do poder de uma casta, nem da vontade das multidões, mas de um Poder mais alto. Sem a disciplina moral que cada qual deve impor a si mesmo, as liberdades não passam de um logro ; tem-se a aparên­cia, mas não os costumes de um povo livre. A sociedade fica exposta pela violência de suas paixões, e a intensi­dade de seus apetites, a todas as complicações, a todas as desordens.

Tudo o que se eleva para a luz eleva-se para a liber­dade. Esta se expande plena e inteira na vida superior.

A alma sofre tanto mais o peso das fatalidades mate­riais, quanto mais atrasada e inconsciente é, tanto mais livre se torna quanto mais se eleva e aproxima do divino.

No estado de ignorância, é uma felicidade para ela estar submetida a uma direção. Mas, quando sábia e per­feita, goza da sua liberdade na luz divina.

Em tese geral, todo homem chegado ao estado de razão é livre e responsável na medida do seu adianta­mento. Passo em claro os casos em que, sob o domínio de uma causa qualquer, física ou moral, doença ou obses­são, o homem perde o uso de suas faculdades. Não se pode desconhecer que o físico exerce, às vezes, grande influência sobre o moral; todavia, na luta travada entre ambos, as almas fortes triunfam sempre. Sócrates dizia que havia sentido germinar em si os instintos mais per­versos e que os domara. Havia neste filósofo duas cor­rentes de forças contrárias, uma orientada para o mal, outra para o bem. Era a última que predominava. Há também causas secretas, que muitas vezes atuam sobre nós. As vezes a intuição vem combater o raciocínio, im­pulsos partidos da consciência profunda nos determinam num sentido não previsto. Não é a negação do livre-arbí­trio; é a ação da alma em sua plenitude, intervindo no curso de seus destinos, ou, então, será a influência de nossos Guias invisíveis, que se exerce e nos impele no sentido do plano divino, a intervenção de uma Inteligên­cia que, vindo de mais longe e mais alto, procura arran­car-nos às contingências inferiores e levar-nos para as cumeadas. Em todos estes casos, porém, é só nossa von­tade que rejeita ou aceita e decide em última instância.

Em resumo, em vez de negar ou afirmar o livre­-arbítrio, segundo a escola filosófica a que se pertença, seria mais exato dizer: "O homem é o obreiro de sua libertação." O estado completo de liberdade atinge-o no cultivo íntimo e na valorização de suas potências ocultas. Os obstáculos acumulados em seu caminho são meramente meios de o obrigar a sair da indiferença e a utili­zar suas forças latentes. Todas as dificuldades materiais podem ser vencidas.

Somos todos solidários e a liberdade de cada um liga-se à liberdade dos outros.

Libertando-se das paixões e da ignorância, cada ho­mem liberta seus semelhantes. Tudo o que contribui para dissipar as trevas da inteligência e fazer recuar o mal,torna a Humanidade mais livre, mais consciente de si mesma, de seus deveres e potências.

Elevemo-nos, pois, à consciência do nosso papel e fim, e seremos livres. Asseguraremos com os nossos es­forços, ensinamentos e exemplos a vitória da vontade assim como do bem e, em vez de formarmos seres pas­sivos, curvados ao jugo da matéria, expostos à incerteza e inércia, teremos feito almas verdadeiramente livres, soltas das cadeias da fatalidade e pairando acima do mundo pela superioridade das qualidades conquistadas.

Léon Denis - livro: O Problema do Ser do Destino e da Dor

09/11/2010

A CONSCIÊNCIA - “as potências da alma”

   consciência 1  

- A consciência. O sentido íntimo

...a alma uma emanação, uma partícula do absoluto. Suas vidas tem por objetivo a manifestação cada vez mais grandiosa do que nela há de divino...

Centro da personalidade...
Permanente...
Indestrutível...

Persiste...
Continua através de todas as nossas transformações...

O percebermo-nos no tempo e no espaço...
Sabermos o que somos...

É também o sentimento que temos de
viver, agir, pensar, querer...
Múltipla e ao mesmo tempo uma só...

Todas essas sensações vão aumentando
e apurando pela própria evolução...
Sem limites...

Manifestará a vida infinita...
O sentimento...
O juízo...

A faculdade de perceber o mundo invisível...
De maneira mais elevada...

Sente as verdades morais...
Suas causas... suas leis...

A alma é, como nos demonstraram os ensinos precedentes, uma emanação, uma partícula do Absoluto. Suas vidas têm por objetivo a manifestação cada vez mais grandiosa do que nela há de divino, o aumento do domínio que está destinado a exercer dentro e fora de si, por meio de seus sentidos e energias latentes.

Pode alcançar-se esse resultado por processos diferentes, pela Ciência ou pela meditação, pelo trabalho ou pelo exercício moral. O melhor processo consiste em utilizar todos esses modos de aplicação, em completá-los uns pelos outros; o mais eficaz, porém, de todos, é o exame intimo, a introspecção. Acrescentemos o desapego das coisas materiais, a firme vontade de melhorar a nossa união com Deus em espírito e verdade, e veremos que toda religião verdadeira, toda filosofia profunda aí vai buscar sua origem e nessas fórmulas se resume. O resto, doutrinas culturais, ritos e práticas não são mais do que ó vestuário externo que encobre, aos olhos das turbas, a alma das religiões.

Victor Hugo escrevia no "Post scriptum de ma vie" "E dentro de nós que devemos olhar o exterior... Incli­nando-nos sobre este poço, o nosso espírito, avistamos, a uma distância de abismo, em estreito círculo, o mundo imenso."

A alma, dizia também Emerson, é superior ao que se pode saber dela e mais sábia do que nenhuma de suas obras.

As profundezas da alma ligam-na à grande Alma universal e eterna, de que ela é uma como vibração. Essa origem e essa participação da Natureza Divina explicam as necessidades irresistíveis do Espírito em evolução adiantada: necessidade de infinito, de justiça, de luz; necessidade de sondar todos os mistérios, de estancar a sede nos mananciais vivos e inexauríveis cuja existência ele pressente, mas que não consegue descobrir no plano de suas vidas terrestres.

Daí provêm nossas mais altas aspirações, nosso de­sejo de saber, jamais satisfeito, nosso sentimento do Belo e do Bem; daí os clarões repentinos que iluminam de tempos a tempos as trevas da existência e os pressenti­mentos, a previsão do futuro, relâmpagos fugitivos no abismo do tempo, que luzem às vezes para certas inteligências.

Sob a superfície do "eu", superfície agitada pelos desejos, esperanças e temores, está o santuário que encerra a Consciência integral, calma, pacífica, serena, o princípio da Sabedoria e da Razão, de que a maior parte dos homens só tem conhecimento por surdas impulsões ou vagos reflexos entrevistos.

Todo o segredo da felicidade, da perfeição, está na identificação, na fusão em nós destes dois planos ou focos psíquicos; a causa de todos os nossos males, de todas as nossas misérias morais está na sua oposição.

Na "Crítica da Razão Pura", o grande filósofo de Koenigsberg demonstrou que a razão humana, isto é, a razão superficial de que falamos, por si mesma nada podia perceber, nada provar do que respeita às realidades do mundo transcendental, às origens da vida, ao espírito, à alma, a Deus.

Dessa argumentação infere-se, lógica e necessariamente, a conseqüência de que existe em nós um princípio, tema razão mais profunda que, por meio da revelação interior, nos inicia nas verdades e leis do mundo espiritual. William James faz a mesma afirmação, nestes ter­mos : "O” eu “consciente faz um só com um” eu “maior, do qual lhe vem o resgate." (193 ) E, mais adiante "Os prolongamentos do” eu “consciente dilatam-se muito além do mundo da sensação e da razão, em certa região que se pode chamar mística ou sobrenatural. Quando nossas tendências para o Ideal tem sua origem nessa região -- é o caso para a maior parte delas, porque somos possuídos por elas de maneira que não podemos perceber - ali temos raízes mais profundas do que no mundo visível, pois nossas mais altas aspirações são centro da nossa personalidade. Mas, este mundo invisível não é somente ideal, produz efeitos no mundo visível. Pela comunhão com o invisível, o "eu" finito transforma-se; tornamo-nos homens novos e nossa regeneração, modificando nosso proceder, repercute no mundo material. Como, pois, recusar o nome de realidade ao que produz efeitos no seio de uma outra realidade? Com que direito diriam os filósofos que não é real o mundo invisível?"

*A consciência é, pois, como diria W. James, o centro da personalidade, centro permanente, indestrutível, que persiste e se mantém através de todas as transformações do indivíduo. A consciência é não somente a faculdade de perceber, mas também o sentimento que temos de viver, agir, pensar e una e indivisível. A plura­lidade de seus estados nada prova, como vimos (194 ) , contra essa unidade. Aqueles estados são sucessivos, como as percepções correlativas, e não simultâneos. Para de­monstrar que existem em nós vários centros autônomos de consciência, seria necessário provar também que há ações e percepções simultâneas e diferentes; mas, isso não é exato e não pode ser.

Todavia, a consciência apresenta, em sua unidade, como sabemos, vários planos, vários aspectos. Física, confunde-se com o que a Ciência chama o "sensorium", isto é, a faculdade de concentrar as sensações externas, coordená-las, defini-las, perceber-lhes as causas e deter­minar-lhes os efeitos. Pouco a pouco, pelo próprio fato da evolução, essas sensações vão-se multiplicando e apu­rando, e a consciência intelectual acorda. Daí em diante não terá limites seus desenvolvimentos, pois que poderá abraçar todas as manifestações da vida infinita. Então desabrocharão o sentimento e o juízo e a alma compreen­der-se-á a si mesma; tornar-se-á, ao mesmo tempo, su­jeito e objeto. Na multiplicidade e variedade de suas ope­rações mentais terá sempre consciência do que pensa e quer.

O "eu" afirma-se, desenvolve-se, e a personalidade completa-se pela manifestação da consciência moral ou espiritual. A faculdade de perceber os efeitos do mundo sensível exercer-se-á por modos mais elevados; conver­ter-se-á na possibilidade de sentir as vibrações do mundo moral, de discriminar suas causas e leis.

É com os sentidos internos que o ser humano per­cebe os fatos e as verdades de ordem transcendental. Os sentidos físicos enganam, apenas distinguem a aparência das coisas e nada seriam sem o "sensorium", que agrupa, centraliza suas percepções e as transmite à alma; esta registra tudo e tira o efeito útil. Abaixo, porém, deste "sensorium" superficial, há outro mais fundo, que dis­tingue as regras e as coisas do mundo metafísico. É esse sentido profundo, desconhecido, inutilizado para a maior parte dos homens, que certos experimentadores designa­ram pelo nome de consciência subliminal.

A maior parte das grandes descobertas não foi na ordem física, mais do que a confirmação das idéias percebidas pela intuição ou sentido íntimo. Newton, por exemplo, havia muito tempo que concebera o pensamento da atração universal, quando a queda de uma maçã veio dar a seus sentidos materiais a demonstração objetiva.

Assim como existe um organismo e um "sensorium" físicos, que nos põem em relação com os seres e as coisas do plano material, assim também há um sentido espiri­tual por meio do qual certos homens penetram desde já no domínio da vida invisível. Assim que, depois da morte, cair o véu da carne, esse sentido tornar-se-á o centro único de nossas percepções.

É na extensão e desenvolvimento crescente desse sentido espiritual que está a lei de nossa evolução psí­quica, a renovação do ser, o segredo de sua iluminação interior e progressiva. Por ele nos desapegamos do rela­tivo e do ilusório, de todas as contingências materiais, para nos vincularmos cada vez mais ao imutável e absoluto.

Por isso a ciência experimental será sempre insufi­ciente, a despeito das vantagens que oferece e das con­quistas que realiza, se não for completada pela intuição, por essa espécie de adivinhação interior que nos faz des­cobrir as verdades essenciais. Há uma maravilha que se avantaja a todas as do exterior. Essa maravilha somos nós mesmos; é o espelho oculto no homem e que reflete todo o Universo.

Aqueles que se absorvem no estudo exclusivo dos fenômenos, em busca das formas mutáveis e dos fatos exteriores, procuram, muitas vezes bem longe, essa cer­teza, esse "criterium", que está neles. Deixam de escutar as vozes íntimas, de consultar as faculdades de entendi­mento que se desenvolvem e apuram no estudo silencioso e recolhido. É esta a razão por que as coisas do invisível, do impalpável, do divino, imperceptíveis para tantos sábios, são percebidas às vezes por ignorantes. O mais belo livro está em nós mesmos; o Infinito revela-se nele. Feliz daquele que nele pode ler!

Todo esse domínio fica fechado para o positivista que posterga a única chave, o único instrumento com o auxílio do qual pode penetrar nele ; o positivista afadigasse em experimentar por meio dos sentidos físicos e de instrumentos materiais o que escapa a toda medida objetiva. Por isso, o homem dos sentidos externos racio­cina a respeito do mundo e dos seres metafísicos como um surdo raciocina a respeito das regras da melodia e um cego a respeito das leis da óptica. Desperte, porém, e ilumine-se nele o senso íntimo e, então, comparada a essa luz que o inunda, a ciência terrestre, tão grande, antes, à sua vista, imediatamente se amesquinhará.

O eminente psicólogo americano William James, rei­tor da Universidade de Harvard (195 ) , declara-o, nestes termos "Posso por na atitude do homem de Ciência e ima­ginar vivamente que nada existe fora da sensação e das leis da Matéria; mas, não posso fazé-lo sem ouvir uma admoestação interior:”Tudo isso é fantasmagoria.”Toda experiência humana, em sua viva realidade, me impele irresistivelmente a sair dos estreitos limites onde pretende encerrar-nos a Ciência. O mundo real é constituído diversamente, é muito mais rico e complexo que o da Ciência."

Depois de Myers e Flournoy, cujas opiniões citamos, W. James estabelece, por sua vez, que a psicologia oficial não pode continuar a desconhecer os recessos da consciência profunda, colocados sob a consciência normal. Ele o diz: formalmente (196 )

"Nossa consciência normal não é mais que um tipo par­ticular de consciência, separado, como por fina membrana, de vários outros que aguardam momento favorável para entrar em jogo. Podemos atravessá-los sem suspeitarmos de sua existência; mas, em presença de estímulo conveniente, mos­tram-se mais reais e complexos."

A propósito de certas conversões acrescenta (197):

"Descobrem-se profundezas novas na alma, à proporção que ela se transforma, como se fosse formada de camadas sobrepostas, cada uma das quais permanece desconhecida, enquanto está coberta por outras."

E, mais adiante (198) "Quando um homem tende conscientemente para um ideal, é em geral para alguma coisa vaga e indefinida; existem, contudo, bem no fundo de seu organismo, forças que aumentam e caminham em sentido determinado. Os fracos esforços, que esclarecem a sua consciência, suscitam esforços subconscientes, aliados vigorosos que trabalham na sombra; mas, essas forças orgânicas convergem para um resultado que muitas vezes não é o mesmo e que é sempre mais bem determinado que o ideal concebido, meditado, reclamado pela consciência nítida."

Tudo isso confirma que a causa inicial e o princípio da sensação não estão no corpo, mas na alma; os sen­tidos físicos são simplesmente a manifestação externa e grosseira, o prolongamento na superfície do ser, dos sen­tidos íntimos e ocultos. O "Chicago Chronicle", de dezem­bro de 1905, refere um caso extraordinário de manifestação do sexto sentido, que julgamos dever citar aqui. Trata-se de uma menina de 17 anos, cega e surda-muda, desde a idade de 6 anos, e na qual se desenvolveu, dessa época em diante, uma faculdade nova:

“Ella Hopkins pertence a uma boa família de Utica, N. Y. Há três anos foi colocada pelos pais num Instituto de Nova Iorque destinado à instrução dos surdos-mudos. Como as outras crianças daquela casa, ensinaram-lhe a ler, a ouvir e a exprimir-se por meio dos dedos”.

Não somente Ella rapidamente se apropriou dessa lin­guagem, como chegou a perceber o que se passa em volta de si, tão facilmente como se gozasse de seus sentidos normais. Sabe quem entra e sai, se é pessoa conhecida ou estranha; segue e percebe a conversa sustentada em voz baixa no aposento onde se encontra, e, a pedido, a reproduz fielmente por escrito. Não se trata de leitura de pensamento direto, pois que a menina não compreende o pensamento das pessoas presentes senão quando lhe dão uma expressão vocal.

Mas, esta faculdade tem intermitências e mostra-se às vezes com outros aspectos.

A memória de Ella é das mais notáveis. O que aprendeu uma vez, e aprende depressa, nunca mais o esquece. Sen­tada diante da máquina de escrever, com os olhos fixos, como se vissem, com interesse intenso nas teclas do instrumento, do qual se serve com extrema precisão, tem toda a aparência de uma jovem inteligente, em plena posse das faculdades normais. Os olhos são claros e expressivos, a fisionomia ani­mada e variável. Ninguém diria que Ella é cega, surda e muda.

Devemos acreditar que o diretor do Instituto, Sr. Currier, está habituado à manifestação das faculdades anormais nes­tes infelizes, pois que não parece admirar-se com o caso da menina. "Temos todos, diz ele, consciência de certas coisas sem o auxílio aparente dos sentidos ordinários... Aqueles que são privados de dois ou três destes sentidos e obrigados a contar com o desenvolvimento de outras faculdades para os substituir, vêem naturalmente estas se desenvolverem e fortificarem."

Há, na mesma classe de Ella, outras duas mocinhas igualmente cegas, surdas e mudas, que possuem também este "sexto sentido", ainda que em menor grau. Faz gosto, ao que parece, vê-las, todas três, comunicarem-se rapidamente pelo verbo pensamento, tendo apenas necessidade do ligeiro contacto dos dedos sensitivos."

A enumeração destes fatos acrescentaremos um teste­munho de alto valor, o do Prof. César Lombroso, da Universidade de Turim. Escrevia ele na revista italiana "Arena" (junho de 1907):

"Até 1890 fui acérrimo adversário do Espiritismo. Em 1891, porém, tive de combater numa cliente minha um dos fenômenos mais curiosos que jamais se me depararam. Tive de tratar a filha de um alto funcionário de minha cidade natal, a qual, de repente, foi acometida, na época da puberdade, de violento acesso de histeria acompanhado de sintomas de que nem a Patologia nem a Fisiologia podiam dar explicação. Havia momentos em que os olhos perdiam total­mente a faculdade de ver e em compensação a doente via com os ouvidos. Era capaz de ler com os olhos vendados algumas linhas impressas que lhe apresentassem ao ouvido. Quando se lhe punha uma lente entre o ouvido e a luz solar, ela experimentava como que uma queimadura nos olhos; exclamava que queriam cegá-la... Conquanto não fossem novos estes fatos, não deixavam de ser singulares. Confesso que, pelo menos, pareciam-me inexplicáveis pelas teorias fi­siológicas e patológicas estabelecidas até então. Parecia-me bem clara uma única coisa, é que esse estado punha em ação, numa pessoa dantes inteiramente normal, forças singulares em relação com sentidos desconhecidos. Foi então que tive a idéia de que talvez o Espiritismo me facilitasse a aproxi­mação da verdade."

Eis outro exemplo do desenvolvimento dos sentidos psíquicos, para o qual chamamos toda a atenção do leitor. A pessoa de que vamos falar é considerada como uma das maravilhas de nossa época (199):

Helen Keller é também uma menina cega, surda e muda. Não possui, em aparência, senão o sentido do tato para comunicar com o mundo exterior. E, entretanto, pode conversar em três línguas com seus visitantes; sua ba­gagem intelectual é considerável; possui um sentimento estético que lhe permite gozar das obras de arte e das harmonias da Natureza. Pelo simples contacto das mãos, ela distingue o caráter e a disposição de espírito das pes­soas que encontra. Com a ponta dos dedos colhe a palavra nos lábios e lê nos livros apalpando os caracteres salien­tes, especialmente impressos para ela. Eleva-se à con­cepção das coisas mais abstratas e sua consciência ilu­mina-se com claridades que vai buscar às profundezas de sua alma.

Escutemos o que nos diz a Sra. Maëterlinck, depois da visita que lhe fez em Wrentham ( América )

"Helen Keller é um ser superior; vê sua razão equi­librada, tão poderosa e tão sã, sua inteligência tão clara e tão bela, que o problema logo se transmuda. Já não se pro­cura ser compreendido, mas compreender.

Helen possui profundos conhecimentos de Álgebra, de Matemáticas, um pouco de Astronomia, de latim e de grego lë Molière e Anatole France e se exprime em seus idiomas; compreende Geethe, Schiller e Heine em alemão, Shakespeare, Rudyard Kipling, Wells em inglês e escreve ela própria como filósofa, psicóloga e poetisa."

O sentido do tato é impotente para produzir tal es­tado mental, tanto mais que Helen, dizem seus educa­dores, consegue perceber o farfalhar das folhas, o zum­bido das abelhas. Agrada-lhe o correr nos bosques.

Seu biógrafo, Gérard Harry, assegura que a inten­sidade de suas percepções confere-lhe aptidões de uma leitora do pensamento.

Evidentemente, encontramo-nos em presença de um ser evolutivo, revindo à cena do mundo com toda a aqui­sição dos séculos percorridos.

O caso de Helen prova que, por trás dos órgãos mo­mentaneamente atrofiados, existe uma consciência desde muito familiarizada com as noções do mundo exterior. Há, aí, ao mesmo tempo, uma demonstração das vidas anteriores da alma e da existência dos seus próprios sentidos, independentes da matéria, dominando-a e sobre­vivendo a toda desagregação corporal.     Para desenvolver, para apurar a percepção, de modo geral, é preciso, a princípio, acordar o sentido íntimo, o sentido espiritual. A mediunidade demonstra-nos que há seres humanos muito mais bem dotados em relação à visão e audição interiores, que certos Espíritos que vivem no Espaço e cujas percepções são extremamente limita­das em vista da insuficiência de sua evolução.

Quanto mais puros e desinteressados são os pensa­mentos e os atos, numa palavra, quanto mais intensa é a vida espiritual e quanto mais ela predomina sobre a vida física, tanto mais se desenvolvem os sentidos inte­riores. O véu que nos esconde o mundo fluídico adelga­ça-se, torna-se transparente e, por trás dele, a alma dis­tingue um conjunto maravilhoso de harmonias e belezas, ao mesmo tempo que se torna mais apta a recolher e transmitir as revelações, as inspirações dos seres supe­riores, porque o desenvolvimento dos sentidos internos coincide, geralmente, com uma extensão das faculdades do espírito, com uma atração mais enérgica das radia­ções etéreas.

Cada plano do Universo, cada círculo da vida, cor­responde a um número de vibrações, que se acentuam e tornam mais rápidas, mais sutis, à medida que se aproximam da vida perfeita. Os seres dotados de fraco poder de radiação não podem perceber as formas de vida que lhes são superiores, mas todo Espírito é capaz de obter pela preparação da vontade e pela educação dos sentidos íntimos um poder de vibração que lhe permite agir em planos muito extensos. Achamos uma prova da intensidade desta forma de emissão mental no fato de se terem visto moribundos ou pessoas em perigo de morte impressionarem telepaticamente, a grandes distancias, vários indivíduos, ao mesmo tempo. ( 200 )

Na realidade, cada um de nós podia, se quisesse, comunicar a todos os momentos com o mundo invisível. Somos Espíritos. Pela vontade podemos governar a matéria e desprender-nos de seus laços para vivermos numa esfera mais livre, a esfera da vida superconsciente. Para isso é mister uma coisa, espiritualizar-nos, voltar à vida do espírito por uma concentração perfeita de nossas forças interiores. Então, achamo-nos face a face com uma ordem de coisas que nem o instinto, nem a experiência, nem mesmo a razão pode perceber.

A alma, em sua expansão, pode quebrar a parede de carne que a encerra e comunicar por seus próprios sentidos com os mundos superiores e divinos. É o que têm podido fazer os videntes e os verdadeiros santos, os grandes místicos de todos os tempos e de todas as religiões.

William James nota-o nestes termos (201) "O mais importante resultado do êxtase é fazer cair toda barreira levantada entre o indivíduo e o Absoluto. Por ele percebemos nossa identidade com o Infinito. E a eterna e triunfante experiência do misticismo, que se encontra em todos os climas e em todas as religiões. Todas fazem ouvir as mesmas vozes com imponente unanimidade; todas pro­clamam a unidade do homem com Deus."

Noutro lugar expõe também nestes termos suas vistas sobre o misticismo (202)

"Os estados místicos aparecem no sujet como uma for­ma de conhecimento; revelam-lhe profundezas de verdade, insondáveis, à razão discursiva; é uma iluminação de ri­queza inexaurível, que, sente-se, terá em toda vida imensa repercussão.

Chegados a seu pleno desenvolvimento, estes estados im­põem-se de fato e de direito aos que os experimentam, com absoluta autoridade... Opõem-se ã autoridade da consciência puramente racional fundada unicamente no entendimento e nos sentidos, provando que ela não é mais do que um dos modos da consciência."

William James pensa igualmente que os estados mís­ticos podem ser considerados como janelas que dão para um mundo mais extenso e completo.

* O Espiritismo demonstra até certo ponto a exatidão destas apreciações. A mediunidade, em suas formas tão variadas, é também a resultante de uma exaltação psí­quica, que permite entrem os sentidos da alma em ação, substituam por um momento os sentidos físicos e per­cebam o que é imperceptível para os outros homens. Caracteriza-se e desenvolve-se segundo as aptidões que tem o sentido íntimo para predominar, de uma forma ou de outra, e manifestar-se por uma das vias habituais da sensação. O Espírito que desejar fazer uma comunicação reconhece, à primeira vista, o sentido orgânico que, no médium, lhe servirá de intermediário e atua sobre este ponto. Umas vezes é a palavra ou também a escrita pela ação mecânica da mão ; outras, é o cérebro, quando se trata da mediunidade intuitiva. Nas incorporações tem­porárias é a posse plena e inteira e a adaptação dos sen­tidos espirituais do possessor aos sentidos físicos do "sujet".

A faculdade mais comum é a clarividência, isto é, a percepção, estando fechados os olhos, do que se passa ao longe, quer no tempo quer no espaço, no passado como no futuro; é a penetração do Espírito do clarivi­dente nos meios fluídicos onde são registrados os fatos consumados e onde se elaboram os planos das coisas futuras. A clarividência exerce-se as mais das vezes inconscientemente, sem preparação alguma. Neste caso resulta da evolução natural do percipiente ; mas, é possível também provocá-la, assim como a visão espírita.

Sobre este assunto, o Coronel de Rochas exprime-se da maneira seguinte ( 203 )

"Mireille descrevia-me assim os efeitos, sobre si, das minhas magnetizações

Quando estou acordada, minha alma está ergastulada ao corpo e eu me sinto como uma pessoa que, encerrada no pavimento térreo de uma torre, não vê o exterior senão atra­vés das cinco janelas dos sentidos, tendo cada uma vidros de cores diferentes. Quando me magnetizais, livrais-me pouco a pouco das minhas cadeias e minha alma, que deseja sempre subir, penetra na escada da torre, escada sem janela, e não percebo que me guiais, senão no momento em que desemboco na plataforma superior. A minha vista estende-se em todas as direções com um sentido único muito aguçado que me põe em relação com objetos que ele não podia perceber atra­vés dos vidras da torre."

Pode também adquirir-se a clariaudiência, a audição das vozes interiores, modo de comunicação possível com os Espíritos. Outra manifestação dos sentidos íntimos é a leitura dos acontecimentos registrados, fotografados de algum modo na ambiência de um objeto antigo ou mo­derno. Por exemplo, um pedaço de arma, uma medalha, um fragmento de sarcófago e uma pedra de ruínas evo­carão na alma do vidente uma série completa de imagens referentes aos tempos e aos lugares a que pertenceram esses objetos. E o que se chama psicometria ( 203-A ) . Acrescentemos também os sonhos simbólicos, os premo­nitórios e mesmo os pressentimentos obscuros que nos advertem de um perigo de que não desconfiamos.

Já dissemos que muitas pessoas têm, sem o sabe­rem, a possibilidade de comunicar com seus amigos do Espaço por intermédio do sentido íntimo. Deste número são as almas verdadeiramente religiosas, isto é, ideali­zadas, em que as provações, os sofrimentos, uma longa preparação moral apuraram os sentidos sutis, tornan­do-os mais sensíveis às vibrações dos pensamentos externos. Muitas vezes, dirigiram-se a mim almas humanas aflitas para, do Além, solicitar avisos, conselhos, indica­ções que não me era possível proporcionar-lhes. Recomendava-las, então, a experiência seguinte que, às vezes, dava bom resultado. Concentrai-vos, dizia-lhes eu, em retiro e no silêncio; elevai os pensamentos para Deus; chamai o vosso Espírito protetor, o guia tutelar, que Deus nos dá para a viagem da Vida. Interrogai-o sobre as questões que vos preocupam, desde que sejam dignas dele, livres de todo o interesse vil ; depois, esperai ! es­cutai em vós mesmos, atentamente, e, ao cabo de um instante, ouvireis nas profundezas de vossa consciência como que o eco enfraquecido de uma voz longínqua ou, antes, percebereis as vibrações de um pensamento mis­terioso que expulsará vossas dúvidas, dissipará vossas angústias, embalar-vos-á e consolará.

E esta, com efeito, uma das formas de mediunidade e não é das menos belas. Todos podem obtê-la, partici­pando daquela comunicação dos vivos e dos mortos, que está destinada a estender-se um dia a toda a Humanidade. Pode-se até, por este processo, corresponder com o plano divino. Em circunstâncias difíceis de minha vida, quando hesitava entre resoluções contrárias a respeito da tarefa que me foi confiada, de difundir as verdades consoladoras do Neo-Espiritualismo, apelando para a Entidade Suprema, ouvia sempre ressoar em mim uma voz grave e solene que me ditava o dever. Clara e distinta, contudo, esta voz parecia provir de um ponto muito distante. Seu acento de ternura enternecia-me até às lágrimas.

* A intuição não é, pois, as mais das vezes, senão uma das formas empregadas pelos habitantes do mundo invisível para nos transmitirem seus avisos, suas instruções. Outras vezes será a revelação da consciência profunda à consciência normal. No primeiro caso pode ser considerada como inspiração. Pela mediunidade o Espírito suas idéias no entendimento do transmissor. Este fornecerá a expressão, a forma, à linguagem e, na capacidade de seu desenvolvimento cerebral, o Espírito achará meios mais ou menos seguros e abundantes para comunicar seu pensamento com todo o desenvolvimento e relevo.

O pensamento do Espírito agente é uno em seu principio de emissão, mas varia em suas manifestações, segundo o estado mais ou menos perfeito dos instrumentos que emprega. Cada médium marca com o cunho de sua personalidade a inspiração que lhe vem de Mais Alto. Quanto mais cultivado e espiritualizado é o intelecto do "suje", tanto mais comprimidos são nele os instintos materiais e com tanto mais pureza e fidelidade será transmitido o pensamento superior.

A larga corrente de um rio não pode escoar-se atra­vés de um canal estreito. O Espírito inspiração não pode, semelhantemente, transmitir pelo organismo do médium senão aquelas de suas concepções que por ele puderam passar.

Por um grande esforço mental, sob a excitação de uma força externa, o médium poderá exprimir concepções superiores a seu próprio saber; mas, na expressão das idéias sugeridas, ir-se-á encontrar seus termos preferidos, seus modos de dizer habituais, ainda que o estimu­lante que nele atua lhe dê, por momentos, mais amplitude e elevação a linguagem.

Vemos, assim, quantas dificuldades, quantos obstá­culos opõe o organismo humano à transmissão fiel e com­pleta das concepções da alma e como é necessária uma longa preparação, uma educação prolongada para o tor­nar flexível e adaptá-lo às necessidades da Inteligência que o move. E isso não se aplica somente ao Espírito desencarnado que quer manifestar-se por meio de um intermediário mortal, mas também à própria alma encar­nada, cujas concepções profundas nunca conseguem vir plenamente à luz no plano terrestre, como o afirmam todos os homens de gênio e, particularmente, os compo­sitores e poetas.

A princípio, a inspiração é consciente; mas, desde que a ação do Espírito se acentua, o médium acha-se sob a influência de uma força que o faz agir independente­mente de sua vontade; ou, então, invade-o uma espécie de peso; velam-se-lhe os olhos e perde a consciência de si mesmo para passar a um domínio invisível. Neste caso, o médium não é mais do que um instrumento, um apa­relho de recepção e transmissão. Qual máquina que obe­dece à corrente elétrica que a põe em movimento, assim também obedece o médium à corrente de pensamentos que o invade.

No exercício da mediunidade intuitiva no estado de vigília, muitos desanimam diante da impossibilidade de distinguir as idéias que nos são próprias das que nos sugeridas. Cremos, todavia, que é fácil reconhecer as idéias de proveniência estranha. Brotam espontanea­mente, de improviso, como clarões súbitos que derivam de foco desconhecido; ao passo que nossas idéias pes­soais, as que provêm do nosso cabedal, estão sempre à nossa disposição e ocupam de maneira permanente nosso intelecto. somente as idéias inspiradas surgem como por encanto, mas seguem, encadeiam-se por si mesmas e exprimem-se com rapidez, às vezes de maneira febril.

Quase todos os autores, escritores, oradores e poetas são médiuns em certos momentos; têm a intuição de uma assistência oculta que os inspira e participa de seus tra­balhos. Eles mesmos assim o confessam nas horas de expansão.

Thomas Paine escrevia:

"Ninguém há que, tendo-se ocupado com os progressos do espírito humano, não tenha feito a observação de que há duas classes bem distintas do a que se chama Idéias ou Pen­samentos : os que em nós mesmos se produzem pela reflexão e os que de per si se precipitam em nosso espírito. Tomei para mim como regra acolher sempre com cortesia estes visitantes inesperados e investigar, com todo o cuidado de que era capaz, se eles mereciam a minha atenção. Declaro que é a estes hóspedes estranhos que devo todos os conhecimentos que possuo."

Emerson fala do fenômeno da inspiração nos seguin­tes termos:

"Os pensamentos não me vêm sucessivamente como num problema de Matemática, mas penetram de per si em meu intelecto, como um relâmpago que brilha na escuridão da noite. A verdade aparece-me, não pelo raciocínio, mas por intuição."

A rapidez com que Walter Scott, "o bardo d'Aven", escrevia seus romances, era motivo de assombro para seus contemporâneos. A explicação do fato é ele mesmo quem a dá

"Vinte vezes encetei o trabalho depois de ter delineado o plano e nunca me foi possível segui-lo. Meus dedos tra­balham independentes de meu pensamento. Foi assim que, depois de ter escrito o segundo volume de Woodstock, não tinha a menor idéia de que a história desenrolar-se-ia numa catástrofe no terceiro volume."

Falando de "L'Antiquaire", diz também

"Eu tenho um plano geral, mas, logo que pego na pena, ela corre com muita rapidez sobre o papel, a ponto que muitas vezes sou tentado a deixá-la correr sozinha para ver se não escreverá tão bem como quando é guiada por meu pensa­mento."

Novalis, cujos "Fragments" e "Disciples de Saïs" ficarão entre os mais poderosos esforços do espírito hu­mano, escrevia:

"Parece ao homem que ele está empenhado numa con­versa e que algum ser desconhecido e espiritual o determina, de maneira maravilhosa, a desenvolver os pensamentos mais evidentes. Esse ente deve ser superior e homogêneo, porque se põe em relação com o homem de tal maneira que não é possível a um ser sujeito aos fenômenos."

Convém lembrar também a célebre inspiração de Jean-Jacques Rousseau descrita por ele próprio e que, por assim dizer, ficou clássica:

"Eu ia ver Diderot, prisioneiro em Vincennes. Tinha no bolso um Mercure de France, que me pus a folhear durante o caminho. Deparou-se-me a questão da Academia de Dijon,que motivou meu primeiro escrito. Se jamais alguma coisa se pareceu com uma inspiração sutil, foi o movimento que se operou em mim com esta leitura. De repente senti o espí­rito deslumbrado por mil luzes. Multidões de idéias vivas apresentam-se ao mesmo tempo com uma força e uma confiança que me lançaram numa perturbação inexprimível. Sinto a cabeça tomada de um atordoamento semelhante ã embriaguez. Oprime-me e anseia-me o peito violenta palpitarão. Não me sendo possível caminhar por não poder respigar, deixo-me cair debaixo de uma árvore da avenida e passo ali meia hora em tal agitação que, ao levantar-me, vi mo­lhada de lágrimas toda a frente do paletó sem ter percebido que houvesse chorado. Oh! Se alguma, vez me tivesse sido possível escrever a quarta parte do que vi debaixo daquela árvore, com que clareza teria feito ver todas as contradições do sistema social, com que força teria exposto todos os abusos de nossas instituições, com que simplicidade teria demons­trado que o homem é naturalmente bom. .. Tudo o que pude reter daquela massa de grandes verdades que, dentro de um quarto de hora, me iluminaram debaixo daquela árvore, foi facilmente disseminado em meus três principais escritos, a saber: este primeiro discurso, o da Desigualdade e o Tratado da Educação... Tudo mais se perdeu e não houve, escrito no próprio lugar, senão a prosopopéia de Fabrícius."

O caso de inspiração mediúnica mais extraordinário, talvez, das tempos modernos é o de Andrew Jackson Davis, chamado também "o vidente de Poughkeepsie".

Esta personagem aparece ao alvorecer do Neo-Espiritua­lismo americano como uma espécie de apóstolo de forte relevo. Graças a uma faculdade que não teve rival, pôde exercer irresistível influência em sua época e em seu país.

Extratamos os seguintes pormenores da obra da Sra. Emma Harding, intitulada "Espiritualismo America­no Moderno":

"Na idade de 15 anos o jovem Davis tornou-se, primeira­mente, célebre em Nova Iorque e no Connecticut por sua habi­lidade em diagnosticar as doenças e prescrever remédios, graças a uma admirável faculdade de clarividência. De temperamento franzino e delicado, o jovem médium possuía um grau de cultura intuitiva que compensava a ausência total de educação e uma facilidade de apresentação que não era de se esperar de sua origem muito humilde, porque era filho e aprendiz de um pobre sapateiro da terra.

Havia sido por acaso magnetizado aos 14 anos por um certo Levingston, de Poughkeepsie, que, descobrindo que o aprendiz de sapateiro possuía admiráveis faculdades de clarividência e um dom extraordinário para curar as doenças tirou da loja fez sócio.

Desde que o acaso fizera Levingston descobrir os dons maravilhosos do jovem Davis, o tempo deste último fora tão bem empregado que nem naquele momento, nem em época de sua carreira, pode ter vagar de acrescentar uma letra ã sua instrução de campônio. A humildade de classe e os meios de seus pais privaram-no de toda probabilidade de cultura, salvo durante cinco meses em que freqüentou a escola da aldeia e os rudes camponeses dos distritos atrasados.

A celebridade extraordinária a que chegou tornou públi­cas as menores particularidades de sua infância. Está, pois, averiguado que sua mais alta ciência, na época que se pode dizer de sua iluminação espiritual, limitava-se a saber ler, escrever e contar sofrivelmente, e toda a sua literatura se resumia num conto chamado Les toes esPagnoles.

Davis tinha 18 anos quando anunciou, ao círculo de admi­radores a quem interessava sua clarividência, que ia ser ins­trumento de uma nova e admirável fase de poder espiritual, começando por uma série de conferências destinadas a pro­duzir considerável efeito no mundo científico e nas opiniões religiosas da Humanidade.

Em cumprimento desta profecia, começou ele o curso de suas conferência e escolheu para magnetizador o Dr. Lyon de Bridgeport, para secretário o Rev. William Fishbough para testemunhas especiais o Rev. J. N. Parcker, R. Laphám, Esq. e o Dr. L. Smith, de Nova Iorque. Além destas, muitas Outras pessoas de alta posição ou de extensos conhecimentos literários e científicos eram convidadas de vez em quando a assistir àquelas conferencia. Assim se produziu a vasta miscelânea de conhecimentos literários, científicos, filosóficos e históricos, intitulada Divinas Revelações da Natureza.

O caráter maravilhoso desta obra, emanada de pessoa tão inteiramente incapaz de produzi-la nas circunstancia ordinárias, excitou a mais profunda admiração em todas as classes sociais.

As Revelações não tardaram a seguir-se ; Grande Amônia, A Idade Presente e a Interior.

Outras volumosas produções, juntas as conferências de Davis, a seus trabalhos de editor, e grupo e à sua larga influencia pessoal, realizaram uma revolução completa nos Estados Unidos, nos espíritos de numerosa classe de pensadores chamados os advogados da filosofia harmônica, e esta revolução deve incontestavelmente sua origem ao pobre aprendiz de sapateiro.

James Victor Wilson, de Nova Orleans, bem conhecido por seus trabalhos literários e autor de um excelente tratado de magnetismo, diz, falando das primeiras conferencia:

"Não tardará que Davis faça conhecer ao mundo a vi­tória da clarividência e será isto uma grande surpresa.

"No decurso do ano passado, este amável rapaz, sem educação, sem preparo, ditou dia a dia um livro extraordinário, bem concebido, bem ligado, tratando das grandes questões da época, das ciências físicas, da Natureza em todas as suas ramificações infinitas, do homem em seus inumeráveis modos de existência, de Deus no abismo insondável de seu amor, de sua sabedoria e de seu poder.

"Milhares de pessoas, que o viram em seus exames mé­dicos, ou em suas exposições cientificas, dão testemunho da admirável elevação de espírito que Davis possui no estado anormal. Seus manuscritos foram muitas vezes submetidos à investigação das mais altas inteligências do Pais, que se certificaram, da maneira mais profunda, da impossibilidade de ele ter adquirido os conhecimentos de que dava prova no estado anormal. O resultado mais claro da vida desta perso­nagem fenomenal foi a demonstração da clarividência e a gloriosa revelação de que a alma do homem pode comunicar espiritualmente com os Espíritos do outro mundo, como com os deste, e aspirar a adquirir conhecimentos que se estendem muito além da esfera terrestre."

* Falamos incidentemente do método a seguir para o desenvolvimento dos sentidos psíquicos. Consiste em in­sular-se uma pessoa em certas horas do dia ou da noite, suspender a atividade dos sentidos externos, afastar de si as imagens e ruídos da vida externa, o que é possível fazer mesmo nas condições sociais mais humildes, no das ocupações mais vulgares. É necessário, para isso, con­centrar-se e, na calma e recolhimento do pensamento, fazer um esforço mental para ver e ler no grande livro misterioso o que há em nós. Nesses momentos apartai de vosso espírito tudo o que é passageiro, terrestre, va­riável. As preocupações de ordem material criam cor­rentes vibratórias horizontais, que põem obstáculo às radiações etéreas e restringem nossas percepções. Ao contrário, a meditação, a contemplação e o esforço cons­tante para o bem e o belo formam correntes ascensionais, que estabelecem a relação com os planos superiores e facilitam a penetração em nós dos eflúvios divinos. Com este exercício repelido e prolongado, o ser interno acha-se pouco a pouco iluminado, fecundado, regenerado. Esta obra de preparação é longa e difícil, reclama às vezes mais de uma existência. Por isso, nunca é cedo demais para empreendê-la ; seus bons efeitos não tardarão a se fazer sentir.

Tudo o que perderdes em sensações de ordem infe­rior, ganhá-lo-eis em percepções supraterrestres, em equilíbrio mental e moral, em alegrias do espírito. Vosso sentido íntimo adquirirá uma delicadeza, uma acuidade extraordinária; chegareis a comunicar um dia com as mais altas esferas espirituais. Procuraram as religiões constituir estes poderes por meio da comunhão e da prece; mas, a prece usada nas igrejas, conjunto de formulas aprendidas e repetidas mecanicamente durante horas inteiras, é incapaz de dar à alma o vôo necessário, de estabelecer o laço fluídico, o fio condutor pelo qual se estabelecerá a relação. É preciso um apelo, um impulso mais vigoroso, uma concentração, um recolhimento mais profundo. Por isso preconizamos sempre a prece improvisada, o grito da alma que, em sua fé e em seu amor, se lança com todas as forças acumuladas em si para o objeto de seu desejo.

Em vez de convidar por meio da evocação os Espíritos celestes a descerem para nós, aprenderemos assim a desprender-nos e subir para eles.

São, contudo, necessárias certas precauções. O mun­do invisível está povoado de entidades de todas as ordens e quem nele penetra deve possuir uma perfeição sufi­ciente, ser inspirado por sentimentos bastante elevados para o porem a salvo de todas as sugestões do mal. Pelo menos, deve ter em suas pesquisas um guia seguro e esclarecido. É pelo progresso moral que se obtém a autoridade, a energia necessária para impor o devido respeito aos Espíritos levianos e atrasados, que pululam em roda de nós.

A plena posse de nós mesmos, o conhecimento pro­fundo e tranqüilo das leis eternas, preservam-nos dos perigos, dos laços, das ilusões do Além ; proporcionam-nos os meios de examinar as forças em ação sobre o plano oculto.

XXII. - O livre-arbítrio

A liberdade é a condição necessária da alma huma­na que, sem ela, não poderia construir seu destino. em vão que os filósofos e os teólogos têm argumentado lon­gamente a respeito desta questão. A luta têm-na obscurecido com suas teorias e sofismas, votando a Humanidade à servidão em vez de a guiar para a luz libertadora. A noção é simples e clara. Os druidas ha­viam-na formulado desde os primeiros tempos de nossa História. Está expressa nas "Tríades" por estes termos Há três unidades primitivas - Deus, a luz e a liberdade.

Aprendera vista, a liberdade do homem parece muito limitada no círculo de fatalidades que o encerra: neces­sidades físicas, condições sociais, interesses ou instintos. Mas, considerando a questão mais de perto, vê-se que esta liberdade é sempre suficiente para permitir que a alma quebre este círculo e escape às forças opressoras.

A liberdade e a responsabilidade são correlativas no ser e aumentam com sua elevação ; é a responsabilidade do homem que faz sua dignidade e moralidade. Sem ela, não seria ele mais do que um autômato, um joguete das forças ambientes : a noção de moralidade é inseparável da de liberdade.

A responsabilidade é estabelecida pelo testemunho da consciência, que nos aprova ou censura segundo a natureza de nossos atos. A sensação do remorso é uma prova mais demonstrativa que todos os argumentos filo­sóficos. Para todo Espírito, por pequeno que seja o seu grau de evolução, a Lei do dever brilha como um farol, através da névoa das paixões e interesses. Por isso, vemos todos os dias homens nas posições mais humildes e difíceis preferirem aceitar provações duras a se abai­xarem a cometer atos indignos.

Se a liberdade humana é restrita, está, pelo menos em via de perfeito desenvolvimento, porque o progresso não é outra coisa mais do que a extensão do livre-arbí­trio no indivíduo e na coletividade. A luta entre a ma­téria e o espírito tem precisamente como objetivo libertar este último cada vez mais do jugo das forças cegas. A inteligência e a vontade chegam, pouco a pouco, a pre­dominar sobre o que a nossos olhos representa a fata­lidade. O livre-arbítrio é, pois, a expansão da personali­dade e da consciência. Para sermos livres é necessário querer sê-lo e fazer esforço para vir a sê-lo, libertando­-nos da escravidão da ignorância e das paixões baixas, substituindo o império das sensações e dos instintos pelo da razão.

Isto só se pode obter por uma educação e uma pre­paração prolongada das faculdades humanas: libertação física pela limitação dos apetites; libertação intelectual pela conquista da verdade ; libertação moral pela procura da virtude. É esta a obra dos séculos. Mas, em todos os graus de sua ascensão, na repartição dos bens e dos males da vida, ao lado da concatenação das coisas, sem prejuízo dos destinos que nosso passado nos inflige, há sempre lugar para a livre vontade do homem.

* Como conciliar nosso livre-arbítrio com a presciência divina? Perante o conhecimento antecipado que Deus tem de todas as coisas, pode-se verdadeiramente afirmara liberdade humana? Questão complexa e árdua na apa­rência que fez correr rios de tinta e cuja solução é, con­tudo, das mais simples. Mas, o homem não gosta das coisas simples; prefere o obscuro, o complicado, e não aceita a verdade senão depois de ter esgotado todas as formas do erro.

Deus, cuja ciência infinita abrange todas as coisas, conhece a natureza de cada homem e as impulsões, as tendências, de acordo com as quais poderá determinar-se. Nós mesmos, conhecendo o caráter de uma pessoa, pode­ríamos facilmente prever o sentido em que, numa dada circunstância, ela decidirá, quer segundo o interesse, quer segundo o dever. Uma resolução não pode nascer de nada. Está forçosamente ligada a uma série de causas e efei­tos anteriores de que deriva e que a explicam. Deus, conhecendo cada alma em suas menores particularidades, pode, pois, rigorosamente, deduzir, com certeza, do conhe­cimento que tem dessa alma e das condições em que ela é chamada a agir, as determinações que, livremente, ela tomará.

Notemos que não é a previsão de nossos atos que os provoca. Se Deus não pudesse prever nossas resoluções, não deixariam elas, por isso, de seguir seu livre curso.

É assim que a liberdade humana e a previdência divina conciliam-se e combinam, quando se considera o problema à luz da razão.

O círculo dentro do qual se exerce a vontade do homem, é, de mais a mais, excessivamente restrito e não pode, em caso algum, impedir a ação divina, cujos efeitos se desenrolam na imensidade sem limites. O fraco inseto, perdido num canto do jardim, não pode, desarranjando os poucos átomos ao seu alcance, lançar a perturbação na harmonia do conjunto e pôr obstáculos à obra do Di­vino Jardineiro.

* A questão do livre-arbítrio tem uma importância capital e graves conseqüências para toda a ordem social,por sua ação e repercussão na educação, na moralidade, na justiça, na legislação, etc. Determinou duas correntes opostas de opinião - os que negam o livre-arbítrio e os que o admitem com restrição.

Os argumentos dos fatalistas e deterministas resu­mem-se assim : "O homem está submetido aos impulsos de sua natureza, que o dominam e obrigam a querer, determinara-se num sentido, de preferência a outro ; logo, não é livre."

A escola adversa, que admite a livre vontade do homem, em face desse sistema negativo, exalta a teoria das causas indeterminadas. Seu mais ilustre represen­tante, em nossa época, foi Ch. Renouvier.

As vistas desse filósofo foram confirmadas, mais recentemente, pelos belos trabalhos de Wundt, sobre a percepção, de Alfred Fouillée sobre a idéia-força e de Boutroux sobre a contingência da lei natural.

Os elementos que a revelação neo-espiritualista nos traz, sobre a natureza e o futuro do ser, dão à teoria do livre-arbítrio sanção definitiva. Vêm arrancar a consciên­cia moderna à influência deletéria do materialismo e orientar o pensamento para uma concepção do destino, que terá por efeito, como dizia C. du Prel, recomeçar a vida interior da Civilização.

Até agora, tanto sob o ponto de vista teológico como determinista, a questão tinha ficado quase insolú­vel. Nem doutro modo podia ser, pois que cada um daque­les sistemas partia do dado inexato de que o ser humano tem de percorrer uma única existência. A questão muda, porém, inteiramente de aspecto se alargar o círculo da vida e se considerar o problema à luz que projeta a doutrina dos renascimentos. Assim, cada ser conquista a própria liberdade no decurso da evolução que tem de perfazer.

Suprida, a princípio, pelo instinto, que pouco a pouco desaparece para dar lugar à razão, nossa liberdade é muito escassa nos graus inferiores e em todo o período de nossa educação primária. Toma extensão considerável, desde que o Espírito adquire a compreensão da lei.

E sempre, em todos os graus de sua ascensão, na hora das resoluções importantes, será assistido, guiado, acon­selhado por Inteligências superiores, por Espíritos maio­res e mais esclarecidos do que ele.

O livre-arbítrio, a livre vontade do Espírito exer­ce-se principalmente na hora das reencarnações. Esco­lhendo tal família, certo meio social, ele sabe de antemão quais são as provações que o aguardam, mas compreende, igualmente, a necessidade destas provações para desen­volver suas qualidades, curar seus defeitos, despir seus preconceitos e vícios. Estas provações podem ser tam­bém conseqüência de um passado nefasto, que é preciso reparar, e ele aceita-as com resignação e confiança, porque sabe que seus grandes irmãos do Espaço não 0 abandonarão nas horas difíceis.

O futuro aparece-lhe então, não em seus pormeno­res, mas em seus traços mais salientes, isto é, na medida em que esse futuro é a resultante de atos anteriores. Estes atos representam a parte de fatalidade ou "a pre­destinação" que certos homens são levados a ver em todas as vidas. São simplesmente, como vimos, efeitos ou reações de causas remotas. Na realidade, nada há de fatal e, qualquer que seja o peso das responsabilidades em que se tenha incorrido, pode-se sempre atenuar, mo­dificar a sorte com obras de dedicação, de bondade, de caridade, por um longo sacrifício ao dever.

*

O problema do livre-arbítrio tem, dizíamos, grande importância sob o ponto de vista jurídico. Tendo, não obstante, em conta o direito de repressão e preservação social, é muito difícil precisar, em todos os casos que dependem dos tribunais, a extensão das responsabilida­des individuais. Não é possível fazê-lo senão estabele­cendo o grau de evolução dos criminosos. O neo-espiri­tualismo fornecer-nos-ia talvez os meios; mas, a justiça humana, pouco versada nestas matérias, continua a ser cega e imperfeita em suas decisões e sentenças.

Muitas vezes o mau, o criminoso não é, na realidade, mais do que um Espírito novo e ignorante em que a razão não teve tempo de amadurecer. "O crime, diz Duclos, é sempre o resultado dum falso juízo." É par isso que as penalidades infligidas deveriam ser estabelecidas de modo que obrigassem o condenado a refletir, a ins­truir-se, a esclarecer-se, a emendar-se. A sociedade deve corrigir com amor e não com ódio, sem o que se torna criminosa.

As almas, como demonstramos, são equivalentes em seu ponto de partida. São diferentes por seus graus infinitos de adiantamento : umas novas ; outras velhas, e, por conseguinte, diversamente desenvolvidas em mora­lidade e sabedoria, segundo a idade. Seria injusto pedir ao Espírito infantil méritos iguais aos que se podem esperar de um Espírito que viu e aprendeu muito. Daí uma grande diferenciação nas responsabilidades.

O Espírito só está verdadeiramente preparado para a liberdade no dia em que as leis universais, que lhe são externas, se tornem internas e conscientes pelo fato de sua evolução. No dia em que ele se penetrar da lei e fizer dela a norma de suas ações, terá atingido ponto moral em que o homem se possui, domina e go­verna a si mesmo.

Daí em diante já não precisará do constrangimento e da autoridade sociais para corrigir-se. E dá-se com a coletividade o que se dá com o indivíduo. Um povo só verdadeiramente livre, digno da liberdade, se aprendeu a obedecer a essa lei interna, lei moral, eterna e univer­sal, que não emana nem do poder de uma casta, nem da vontade das multidões, mas de um Poder mais alto. Sem a disciplina moral que cada qual deve impor a si mesmo, as liberdades não passam de um logro ; tem-se a aparên­cia, mas não os costumes de um povo livre. A sociedade fica exposta pela violência de suas paixões, e a intensi­dade de seus apetites, a todas as complicações, a todas as desordens.

Tudo o que se eleva para a luz eleva-se para a liber­dade. Esta se expande plena e inteira na vida superior.

A alma sofre tanto mais o peso das fatalidades mate­riais, quanto mais atrasada e inconsciente é, tanto mais livre se torna quanto mais se eleva e aproxima do divino.

No estado de ignorância, é uma felicidade para ela estar submetida a uma direção. Mas, quando sábia e per­feita, goza da sua liberdade na luz divina.

Em tese geral, todo homem chegado ao estado de razão é livre e responsável na medida do seu adianta­mento. Passo em claro os casos em que, sob o domínio de uma causa qualquer, física ou moral, doença ou obses­são, o homem perde o uso de suas faculdades. Não se pode desconhecer que o físico exerce, às vezes, grande influência sobre o moral; todavia, na luta travada entre ambos, as almas fortes triunfam sempre. Sócrates dizia que havia sentido germinar em si os instintos mais per­versos e que os domara. Havia neste filósofo duas cor­rentes de forças contrárias, uma orientada para o mal, outra para o bem. Era a última que predominava. Há também causas secretas, que muitas vezes atuam sobre nós. As vezes a intuição vem combater o raciocínio, im­pulsos partidos da consciência profunda nos determinam num sentido não previsto. Não é a negação do livre-arbí­trio; é a ação da alma em sua plenitude, intervindo no curso de seus destinos, ou, então, será a influência de nossos Guias invisíveis, que se exerce e nos impele no sentido do plano divino, a intervenção de uma Inteligên­cia que, vindo de mais longe e mais alto, procura arran­car-nos às contingências inferiores e levar-nos para as cumeadas. Em todos estes casos, porém, é só nossa von­tade que rejeita ou aceita e decide em última instância.

Em resumo, em vez de negar ou afirmar o livre­-arbítrio, segundo a escola filosófica a que se pertença, seria mais exato dizer: "O homem é o obreiro de sua libertação." O estado completo de liberdade atinge-o no cultivo íntimo e na valorização de suas potências ocultas. Os obstáculos acumulados em seu caminho são meramente meios de o obrigar a sair da indiferença e a utili­zar suas forças latentes. Todas as dificuldades materiais podem ser vencidas.                                                                               Somos todos solidários e a liberdade de cada um liga-se à liberdade dos outros.

Libertando-se das paixões e da ignorância, cada ho­mem liberta seus semelhantes. Tudo o que contribui para dissipar as trevas da inteligência e fazer recuar o mal,torna a Humanidade mais livre, mais consciente de si mesma, de seus deveres e potências.

Elevemo-nos, pois, à consciência do nosso papel e fim, e seremos livres. Asseguraremos com os nossos es­forços, ensinamentos e exemplos a vitória da vontade assim como do bem e, em vez de formarmos seres pas­sivos, curvados ao jugo da matéria, expostos à incerteza e inércia, teremos feito almas verdadeiramente livres, soltas das cadeias da fatalidade e pairando acima do mundo pela superioridade das qualidades conquistadas.

Léon Denis - livro: O Problema do Ser do Destino e da Dor